1. Na semana que passou, fomos apanhados de surpresa com a notícia de que José António Saraiva tinha publicado um livro com base numa série de inconfidências que lhe terão sido contadas em privado, sem licença — obviamente — para reprodução pública. Muitas dessas inconfidências são atribuídas a pessoas que já morreram, tendo assim Saraiva carta-branca para mentir. O livro inclui, por exemplo, revelações sobre o rabo de Medina Carreira e inconfidências sobre a sexualidade e intimidade de alguns políticos e de outras pessoas. Numa frase, o livro é um nojo. Logo depois de sabermos que esta porcaria ia ser publicada, soubemos também que o ex-primeiro-ministro de Portugal Pedro Passos Coelho ia ser o apresentador no seu lançamento. Alegou ter aceitado apresentá-lo antes de conhecer o seu conteúdo.

A minha primeira reacção a esta justificação foi achar que era falsa. Ninguém que queira ser levado a sério aceita apresentar um livro que não conhece. Mas, por outro lado, não conseguia perceber qual a motivação de Passos Coelho. Joana Amaral Dias, na sua página do Facebook encontrou uma explicação plausível: “Passos Coelho aceitou apresentar o livro em troca de José António Saraiva não escrever uma linha sobre a sua vida sexual”. Para JAD “só isso pode justificar esta decisão, pobrezinho.” Foi, portanto, “vítima de chantagem”.

Qualquer que tenha sido o motivo para aceitar e, já depois de ser confrontado por jornalistas com o conteúdo do livro e algumas das suas partes repugnantes, afirmar e reafirmar que iria manter o compromisso por ser “um homem de palavra”, Passos desistiu, com a benção do autor, a crer na primeira página do i de hoje.

2. Foi também o jornal i que esta semana fez capa com a participação de José Sócrates na rentrée política do PS. Mais uma vez, não acreditei — anda a suceder-me muito, não acreditar em notícias inacreditáveis — e ao ver esta notícia partilhada pelas redes sociais pensei que se estava a partilhar, por engano, uma notícia com mais de 5 anos. Mas é mesmo verdade. O partido que suporta o actual governo de Portugal acha que faz sentido convidar José Sócrates para falar sobre “Política Externa e Globalização”. Quem conhece os partidos, sabe que os mesmos estão infestados de pessoas muito voluntariosas que não devem muito (ou mesmo nada) ao bom senso, pelo que estes convites descabidos são normais, podem acontecer e não atribuo a isso grande significado.

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Mas nesta Universidade de Verão organizada pelo departamento de mulheres socialistas do PS/Lisboa e pela JS/Lisboa vão também participar o Ministro da Saúde, o Ministro do Trabalho, o Presidente da Câmara de Lisboa, o deputado Alexandre Quintanilha, a Secretária Geral-Adjunta do PS Ana Catarina Mendes, entre várias outras pessoas que são muito importantes.

Muito provavelmente, aconteceu-lhes o mesmo que a Passos Coelho, aceitaram o convite sem saber ao que iam. Mas, agora que já sabem, a única atitude digna é recusar participar. Isso se não quiserem dar razão a quem acusa o PS de não descolar de Sócrates, o político mais nocivo desde o 25 de Abril.

3. Também por estes dias, fomos surpreendidos com um novo imposto, que se aplicaria a património imobiliário de valor superior a um milhão de euros.

Na verdade, nem se trata de um novo imposto nem foi uma surpresa. Este imposto foi criado em 2012, quando para aumentar as receitas do Estado a tabela do imposto de selo passou a incluir um imposto anual para prédios de mais de 1 milhão de euros. E não foi surpresa porque dias antes o Ministro das Finanças tinha deixado escapar que aumentos de impostos estavam na ordem do dia. A verdade é que este governo, tal como o anterior, tem um caminho tão apertado que qualquer quebra de receitas de um lado tem de ser compensada por aumentos no outro. Ou seja, limita-se a dar continuidade aos impostos colossais que temos. Apenas os principais visados são diferentes. Se não surpreende que um governo de direita faça cortes severos a funcionários públicos, dificilmente podemos ficar surpreendidos que um governo de esquerda prefira tributar “grandes proprietários”.

O que, na verdade, surpreendeu foi que fosse Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, a anunciá-lo. A surpresa aumentou com o seu discurso, numa conferência do Partido Socialista, a justificá-lo. Cito: “do ponto de vista prático, a primeira coisa que temos de fazer é perder a vergonha de ir buscar a quem está a acumular dinheiro”.

Acumular dinheiro, mais não é do que poupar. Numa altura em que o principal problema da economia portuguesa é falta de capacidade de financiamento, vir alguém próximo do governo (e com evidente influência) ameaçar as poupanças é o cúmulo da insanidade. É garantir que ninguém com dois dedos de testa tenha o seu dinheiro e património em Portugal. De certa forma, é ainda pior do que ameaçar os credores com reestruturações de dívida ao mesmo tempo que se lhes pede dinheiro emprestado. Perante as reacções que estas declarações causaram, logo vieram os esclarecimentos. Na verdade não se trata de poupanças, mas sim de grandes acumulações: podes ser poupadinho desde que não acumules muito.

Nada como ouvir o discurso de Mortágua, que está gravado e disponível. Ao contrário do que seria de esperar, não se trata de cobrar impostos de todas as formas possíveis para aumentar as receitas do Estado. Trata-se, isso sim, de atacar o regime económico em que vivemos em Portugal e na Europa e que é, também, um legado do Partido Socialista.

Há uns anos, numa visita que Miguel Portas fez aqui à Universidade do Minho, quando questionado com assertividade por Fernando Alexandre sobre qual o regime económico que defendia, Portas respondeu que se considerava um social-democrata radical. O que este discurso de Mortágua nos mostra é que o Bloco de Esquerda “perdeu a vergonha” de dizer ao que vem. É um partido anti-capitalista, que pretende o desmantelamento do actual sistema económico e que quando apoiava líderes como Hugo Chavez na Venezuela o fazia não por engano, mas por convicção revolucionária.

Mais do que “perder a vergonha”, Mariana Mortágua desafiou o PS a seguir o mesmo caminho. O PS que estava presente respondeu ao repto com um sonoro aplauso.

Desculpem a pergunta, mas está tudo doido?