Daqui a uns anos, não vamos poder dizer que foi por falta de aviso. Esta semana, tivemos vários sinais e eles apareceram-nos todos condensados num único dia, como se pretendessem tornar flagrantemente evidente que, entre nós, alguma coisa está a correr mal.

Nos primeiros minutos de quinta-feira, ficámos a saber, através de um estudo da Fundação José Neves, que as vantagens salariais de quem tem um curso superior caíram para metade nos últimos anos e está agora num mínimo histórico — isto quer dizer que, em Portugal, é cada vez mais irrelevante gastar tempo, dinheiro e esforço a tirar um curso superior porque todos os trabalhadores, licenciados ou não, terão um ordenado igualmente mau. Poucas horas depois, na mesma quinta-feira, descobrimos que o Centro Hospitalar de Leiria só conseguiu preencher 13 das 45 vagas abertas para médicos recém-especialistas; e que os tribunais de Cascais e Sintra precisavam de contratar 26 pessoas mas, depois de uma série de diligências esgotantes, só conseguiram convencer um solitário trabalhador a juntar-se às fileiras do Estado. Ainda nesse dia, à tarde, o país foi novamente instruído sobre o funcionamento do governo durante a audição de Pedro Nuno Santos na Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP.

Mesmo assim, os portugueses mantêm-se firmes e convictos, percorrendo de forma inexorável a linha recta que nos levará em direção a um muro duro e intransponível: uma sondagem do Expresso mostra que, mesmo havendo 71% dos inquiridos a achar que o governo de António Costa é “mau” ou “muito mau”, o PS continua a ser o partido mais votado.

Quando nada faz sentido na política doméstica, devemos sempre procurar iluminação nos clássicos — ou seja, na série “West Wing”. No episódio 14 da primeira temporada, Aaron Sorkin usa uma parábola que é muito útil para percebermos o triste sítio onde estamos e o desesperante sítio para onde nos dirigimos. Na série, um padre conta ao Presidente norte-americano a história de um homem que ouve na rádio a notícia de que umas cheias vão inundar a cidade onde vive. As autoridades fazem um apelo a que os residentes abandonem as suas casas, mas o homem proclama: “Sou religioso. Vou rezar. Deus ama-me. Deus vai salvar-me”. Quando o nível das águas começa a subir, passa uma pessoa num bote que se oferece para o levar para um local seguro, mas o homem recusa a ajuda e responde: “Sou religioso. Vou rezar. Deus ama-me. Deus vai salvar-me”. No momento desesperado em que já tem apenas o telhado da sua casa acima de água, aparece um helicóptero de salvamento com socorristas que lhe lançam uma escada para escapar, mas o homem recusa novamente a ajuda e responde outra vez: “Sou religioso. Vou rezar. Deus ama-me. Deus vai salvar-me”. As águas continuam a subir e o homem, inevitavelmente, morre afogado. Quando chega ao Céu, furioso, exige que o levem à presença de Deus. Quando está frente a Ele, pede-lhe satisfações: “Sou religioso. Rezei. Achava que me amavas. Porque é que não me salvaste?” Perplexo, Deus responde: “Mandei-te uma notícia pela rádio, um homem num bote e um helicóptero com uma corda. O que é que estás aqui a fazer?”.

Quando, daqui a uns anos, percebermos por fim que estamos presos num país pobre e irremediavelmente atrasado, vamos dar por nós a refletir, de forma melancólica: naquela semana, Deus mandou-nos uma notícia sobre os problemas no Estado, mandou-nos um estudo da Fundação José Neves, mandou-nos uma conta de 3,2 milhões para a TAP, mandou-nos Pedro Nuno Santos, Hugo Neves e João Galamba — o que é que estamos aqui a fazer? É possível que nessa altura, repetindo a alegoria de “West Wing”, já seja demasiado tarde.

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