De repente parecia que Sócrates tinha voltado ao parlamento: é a mesma posição fisicamente dominante. A mesma capacidade de afirmar o que não corresponde à realidade (aquilo a que Pedro Nuno Santos chama lucros nas empresas públicas como a CP são simplesmente transferências estatais a cobrir deficit) A mesma megalomania. E, pormenor a ter em conta, o mesmo estilo de Sócrates mas com mais empatia. Nos momentos em que, por força das circunstâncias, Pedro Nuno alude aos erros que praticou arvora um ar de leviandade infantil que se, por um lado, aterra quando se pensa nas responsabilidades que já teve e nas que poderá vir a ter, por outro desconcerta e desarma quem apenas o vê, qual criança, passar do entusiasmo impetuoso para um estado de acabrunhamento.

Comparem-se as prestações de Pedro Nuno Santos com as de Fernando Medina no parlamento a propósito da TAP e é fácil concluir que Pedro Nuno Santos vai ser muito provavelmente o próximo líder do PS. O que é o mesmo que dizer que pode muito bem vir a ser o próximo primeiro-ministro de Portugal. E que passaremos do socialismo das cativações e das contas certas para o socialismo dos números mágicos das empresas públicas a dominarem a economia.

Durante meses, Marcelo Rebelo de Sousa instituiu um dogma: a oposição (entenda-se o PSD) não estava preparado para o caso de acontecerem eleições. O Presidente, de tanto traçar cenários, ficou preso no meio deles e subestimou o que estava a passar à frente dos seus e dos nossos olhos: o partido de cuja vida interna Portugal está pendente neste momento não é o PSD mas sim o PS. Não apenas porque o PS é o principal partido português mas também porque aquilo que está em causa neste momento em relação ao PS é muito mais que uma questão de preparação ou até da tradicional disputa pela liderança: o PS está a deixar de ser um grande partido de centro para se tornar o partido hegemónico da esquerda. Basta ouvir Pedro Nuno Santos (ou figuras como o ministro da Educação a acusar os rankings das escolas de serem uma operação comercial) para constatar que não é apenas a linguagem do líder da JS que não se distingue da dos dirigentes do BE, na verdade muito daquilo que é defendido pela ala esquerda do PS (e onde andam as outras alas dos socialistas?) pode ser dito pelo BE. Ou num outro plano pelo PCP.

Alguns dos momentos mais reveladores da prestação de Pedro Nuno Santos na Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP aconteceram quando o ex-ministro referiu os anos da geringonça — “Foi bom para todos e para o povo português” — ou respondia aos deputados do PCP e do BE num registo tão próximo que quase os embaraçava.

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Pedro Nuno Santos quer levar o PS para a esquerda não apenas por táctica mas também por convicção. O seu modelo não é somente o socialismo enquanto sistema de redistribuição mas também de produção. Nas suas intervenções sucedem-se as referências aos lucros conseguidos ou a conseguir por grandes empresas públicas cuja existência, nos cenários que desenha, só não é mais profícua por causa das regras da UE.

Pedro Nuno, o homem que resistiu ao ridículo (as pernas dos banqueiros alemães iam tremer se nós não pagássemos a nossa dívida, dizia ele!); que sobreviveu ao despropósito colossal do anúncio da solução para o novo aeroporto de Lisboa e à humilhante declaração que fez a seguir; que iludiu as suas responsabilidades no afastamento de Alexandra Reis da TAP e na sua posterior contratação para a NAV, pode muito bem vir a ser o novo menino de ouro do PS.

Há quinze anos, chegava às livrarias um livro intitulado Sócrates – O menino de ouro do PS. Estava-se em Junho de 2008. Quinze anos depois o imaginário de um novo menino de ouro seduz os socialistas. O menino de ouro é muito mais que um líder vencedor e amado. O menino de ouro é o líder que se quer amar. Politicamente essa é uma vantagem inestimável. E Pedro Nuno tem beneficiado dela.

PS. Como antigamente se dizia, começou a época da vilegiatura. Esta crónica voltará em Julho.