A Iniciativa Liberal é um partido ainda muito jovem, pela idade quase infantil, mas possui desde a nascença uma personalidade muito vincada.

A intempestiva renúncia de João Cotrim de Figueiredo à liderança está a relançar o partido num debate interno muito vivo e aceso, que já existia, e que prevejo que venha a ser clarificador, levando a IL para a idade adulta, com uma identidade totalmente assumida. Essa identidade será a que for decidida pelo voto dos cerca de seis mil membros do partido.

Cabem na IL, como em qualquer outro partido, suponho, várias tendências e sensibilidades. Não fosse a IL, aliás, o partido da liberdade individual. Isto faz com que convivam debaixo duma mesma sigla diversas visões do mundo, que se unem em torno justamente desta defesa da centralidade do indivíduo na organização da sociedade.

Sou membro da Iniciativa Liberal porque sou liberal, mas sou aquilo a que se pode chamar um liberal social. Sei em que partido estou, sei que tenho espaço para, dentro deste partido, defender as minhas ideias e tentar influenciar aquilo que o partido é, mas também sei que há no partido quem tenha ideias e concepções diferentes de liberalismo.

Tenho uma visão própria, provavelmente coincidente com a de centenas ou mesmo milhares de outros membros da IL, é isso que me une a eles, mas também conheço outras correntes e sensibilidades dentro do partido, respeito-as do ponto de vista intelectual, porque a maioria dos seus defensores tem fundamentos teóricos muito sólidos, muitas vezes quase dogmáticos, mas não me revejo nessas correntes do ponto de vista político.

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O que é, para mim, a Iniciativa Liberal, já com a aprendizagem de ser coordenador dum Núcleo Territorial, de ter participado ativamente em campanhas eleitorais, de ter sido candidato nas listas do partido em eleições autárquicas e legislativas e de conhecer pessoalmente dirigentes nacionais do partido e alguns dos seus deputados?

Vou explicar porque pode ser que, com o meu olhar, se torne mais fácil para quem está de fora perceber o que está agora em causa de essencial. Não é apenas uma liderança. É mais que isso. O que se segue, devia ser desnecessário dizer, mas para que fique absolutamente claro, vincula-me apenas a mim, é a minha visão pessoal.

A razão de ser da Iniciativa Liberal não pode ser outra, senão a de se afirmar como partido que quer ser agente aglutinador e catalisador duma abordagem política diferente em relação à sociedade portuguesa que foi construída a partir da revolução do 25 de abril e ao longo destes quase 50 anos de democracia.
O objetivo último da ação política da Iniciativa Liberal é conquistar a confiança e os votos dos portugueses, para alcançar o poder e conseguir, através do exercício desse poder, transformar a sociedade e melhorar a vida das pessoas. É para isso que servem os partidos.

O projeto da Iniciativa Liberal tem de se afirmar como agente da mudança, promotor duma verdadeira “revolução cultural”, obviamente longe de qualquer conotação maoísta, mas em contraposição declarada, aberta e incondicional ao status quo, à “situação”, ao país que com certeza evoluiu, com certeza progrediu, com certeza se democratizou, com certeza se tornou melhor na maioria dos aspetos com impacto real na vida das pessoas – trabalho, saúde, educação, habitação, segurança ou liberdade, entre outros – ao longo das últimas décadas, mas que todos sentimos que é muito menos do que podia e devia ser.

Portugal é, hoje, um país melhor do que era em 25 de abril de 1974, é inegável, mas a maioria dos portugueses sente e sabe que vive num país que lhes falha. E Portugal é um País que falha ao povo português porque quem nos trouxe até aqui, quem elegemos democraticamente para fazer opções por nós, gerir por nós aquilo que é de todos, procurar por nós as melhores vias para o nosso desenvolvimento, não soube fazer melhor. E não podemos acomodar-nos a isto, não podemos continuar a votar em quem nos trouxe até aqui, não podemos conformar-nos com a mediocridade. A responsabilidade de mudar é de cada um de nós, enquanto indivíduos e é enquanto seres únicos e irrepetíveis que temos de tomar o destino nas nossas mãos. Através do voto.

Os partidos do poder em Portugal, PS e PSD, este último as mais das vezes com a muleta do CDS, criaram e consolidaram este modelo social e de desenvolvimento em que vivemos, baseado em políticas estatizantes que, em vez de nos aproximarem dos países mais desenvolvidos, nos deixam cada vez mais distantes nalguns dos principais indicadores de prosperidade e bem-estar.

Se alguém tiver dúvidas do que acima se afirma, recomenda-se uma consulta ao Better Life Index” da OCDE, onde se pode verificar como Portugal se compara (mal) com os outros países da OCDE em vários indicadores de bem-estar (mais do que na mera comparação do crescimento do PIB e outras frias estatísticas económicas) e continua em perda. Não por acaso, este Index raramente é citado e usado em Portugal.

Ora, se este modelo de desenvolvimento hiper-estatizante, em que o Estado surge no centro da vida das pessoas com um peso excessivo, com influência e intromissão excessivas, com apropriação excessiva da riqueza produzida, se este modelo que cria barreiras à livre iniciativa e ao pleno desenvolvimento e realização de todo o potencial humano existente já provou que não é capaz de nos aproximar dos níveis de bem-estar e de felicidade dos países que nos devem servir de referência – os mais ricos que nós – e se, à esquerda do PSD e do PS, as soluções preconizadas defendem ainda mais Estado, mais coletivismo, e menos liberdade individual, a Iniciativa Liberal, também contra projetos políticos que se possam afirmar à direita com modelos totalitários, autoritários, discriminatórios, nacionalistas e até xenófobos, não tem outra alternativa senão ser um partido que tem de ser capaz de agregar todos os que, rejeitando os modelos enunciados – comunistas, socialistas, estatizantes ou autoritaristas – acreditem na força criadora e promotora de bem-estar e de felicidade contida na liberdade individual.

Uma liberdade económica, social, política e de costumes, que significa também a tolerância (não necessariamente a promoção, mas sem dúvida a tolerância) relativamente às liberdades de todos os outros, na clássica medida em que elas não contendam com as nossas próprias liberdades.

Uma liberdade que implica também compreender a imprestabilidade, nos dias conturbados que correm, de qualquer modelo intransigente de “laissez-faire, laissez-passer”, de qualquer mão invisível mágica, de qualquer tendência mais dogmática, “clássica” ou “radical” de um liberalismo ultrapassado, que não seja capaz de aceitar que nem sempre os mercados funcionam e precisam mesmo de regulação, que os mercados não são tudo, porque nem é tudo economia, e que não entende que alguns elementos da sociedade têm de ser protegidos, porque não estão equipados com as mesmas armas, e porque todos devem ter o direito a viver com dignidade.

Porque, e isto é mesmo muito importante, sem uma vida com um mínimo de dignidade humana e social, não há liberdade. E a liberdade tem de ser para todos, e o Estado terá sempre um papel, ainda que reduzido ao mínimo essencial, para garantir que todos têm de ter acesso a ela. À dignidade. Para poderem ser livres.

Acresce que as teorias e os modelos liberais clássicos não são exequíveis numa sociedade pobre, pouco desenvolvida e culturalmente dependente do Estado, como é a portuguesa.

O caminho desejável para uma sociedade mais liberal, para um governo liberal, tem de ser gradualista. Não há volta a dar a isto, se a Iniciativa Liberal quer mesmo ser alternativa de poder, se quer governar Portugal para ter a hipótese de mudar Portugal para melhor.

Este caminho do liberalismo moderno, moderado, aberto, sem dogmas, é o que é claramente preconizado nas propostas e visão da ALDE (Alliance of Liberals and Democrats for Europe), um projeto que todos os liberais portugueses (e não só) deviam conhecer. A Iniciativa Liberal integra a ALDE.

A grande questão com as eleições na Iniciativa Liberal começa aqui. Há um grupo de membros da IL, os ditos “clássicos”, dogmáticos, que não subscrevem algumas das ideias e políticas defendidas pela ALDE e que, na sua maioria com sólida formação teórica, pensam poder atribuir atestados de pureza liberal. São um grupo ruidoso, que com certeza entende, bem, que é mais forte o que os une a outros membros da IL, do que aquilo que os separa, mas que pretende ter mais influência e protagonismo no partido.

Mas, se esta corrente se tornar mais influente na IL, se algumas das suas ideias mais radicais forem vocalizadas e defendidas pelo partido, cristalizadas em programas de orientação e ação política, a IL poderá perder parte do alinhamento que a identifica com a ALDE.

João Cotrim de Figueiredo, respaldado na rejeição pela maioria dos membros da IL das moções apresentadas por esta linha mais dogmática na última Convenção Nacional do partido, conseguiu conciliar todas as sensibilidades internas, agrupá-las, dar-lhes um sentido comum e manter o partido dentro dos limites da visão moderada da ALDE.

Não tenho razões para duvidar que os candidatos à liderança da Iniciativa Liberal já anunciados, os deputados Rui Rocha e Carla Castro, consigam fazer o mesmo. Apesar de serem referidos um, como de continuidade, apoiado pelo presidente cessante e pela maioria do grupo parlamentar e dirigentes nacionais, a outra como “challenger”, tenho para mim que são ambos de continuidade e não se apresentou ainda um verdadeiro “challenger”, um elemento estranho ao actual “circulo de poder” da Iniciativa Liberal.

A tensão política essencial entre “liberais clássicos” e “liberais sociais” permanecerá e interessa-me saber, desde logo, qual o posicionamento dos candidatos relativamente a esta questão.

Porque, no fim, o que nos questionamos todos é se estas diferentes visões do liberalismo levarão algum dia a uma cisão na IL, ou se terão todos os membros, no seu conjunto, e os que forem eleitos dirigentes em especial, a capacidade de continuar a conviver no mesmo partido. Esta é a grande questão que estará em causa, mais do que qualquer outra.

Por mim, vou estar atento a todas as propostas e a todos os debates e estarei com quem demonstrar ter maior vontade e capacidade de unir, necessariamente dentro desta linha moderada e alinhada com os princípios da ALDE.

E serei avesso a populismos e demagogias.

A hipótese de cisão afastará sempre mais a Iniciativa Liberal da sua matriz essencial, através da qual se assume como único projeto político alternativo ao status quo estatizante e às propostas autoritárias ou coletivistas.

A união é a única via possível para a conquista transformadora e libertadora do poder, que permitirá à Iniciativa Liberal cumprir o seu desiderato último de ser governo de Portugal e dos portugueses. É nisto que acredito, é possível, e é por isto que sou membro da Iniciativa Liberal e tenho voto na matéria.