Num tempo em que o debate estatal-privado ganha novos contornos, da gritaria acerca das PPP da saúde à dispensa parental para acompanhar os filhos à escola, do aumento unilateral do salário mínimo dos funcionários públicos à generalização da ADSE a todos os cidadãos, exemplos não faltam de um problema endémico na sociedade portuguesa, a discussão estatal versus privado, sempre repetida, sempre sinónimo do pensamento “poucochinho” com que se olha o desenvolvimento da sociedade e os ventos do futuro.

Portugal foi sempre um país abafado pelo Estado e os nossos governantes quase sempre se comportaram como donos do país. O Estado está, ou deve estar, ao serviço dos cidadãos e não o contrário, e para além das funções essenciais que o justificam, todas as outras deviam ser exercidas por organizações da sociedade civil.

Infelizmente em Portugal, esta ideia logo apodada de liberal ou neo liberal, tem sido contrariada nos últimos dois séculos, para não irmos mais atrás, desde a República, passando pelo Estado Novo, até ao regime saído da revolução de 1974, sempre tendo as forças dominantes engrossado o Estado, a sociedade civil desenvolvido um síndroma de dependência, e o país mantido a lógica de que o Estado é uma espécie de “cobrador de fraque” que nos esmifra, mas que devemos continuar a tratar com reverência.

Para não fugir à regra, o Ensino Privado tem pouco mais do que um estatuto de tolerado, quando não de segunda categoria, como se tem visto com a redução dos contratos de associação, no básico e secundário, e no superior com a forma como em matéria de vagas, transferências, admissão de estudantes estrangeiros, para citar apenas alguns exemplos, ser a respetiva tutela a dar autorizações, fixar limites, estabelecer calendários.

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As instituições privadas estão legalmente constituídas, os cursos são acreditados pela A3ES, o corpo docente cumpre os rácios, as instalações estão aprovadas. A burocracia seria menor, a necessidade de funcionários diminuiria, o sistema funcionaria melhor, se o Estado deixasse as instituições livres de peias desnecessárias.

E o que causa espanto é que o sistema se mantém governe quem governe, como se em Portugal só existam discípulos ou órfãos de Afonso Costa, Oliveira Salazar ou dos socialismos mais radicais de Abril.

A discriminação assume aspetos inaceitáveis em matérias tão fundamentais como a formação em contexto de trabalho, quando os estudantes das escolas privadas têm de estagiar em estabelecimentos do Estado, veja-se o caso específico da enfermagem, cujos estudantes necessitam fazer a sua formação em serviços de saúde estatais.

O que se supõe ser um direito inalienável, está dependente da boa vontade das administrações e das chefias, do pagamento segundo moldes casuísticos, de prioridades estabelecidas segundo critérios que variam de caso para caso. Os estudantes de enfermagem que estudam nas escolas privadas não são filhos de nenhum “deus menor”, são portugueses como todos os outros, as suas famílias pagam os mesmos impostos, pelo que não podem ser diminuídos no seu direito à formação que é, até constitucionalmente, obrigação do Estado providenciar.

E aqui reside a grande falácia, obrigação não significa imposição, impor que só se pode beneficiar do apoio total concedido pelo Estado se se estudar nas escolas geridas por este. Num país livre e democrático os cidadãos devem poder escolher o serviço, sempre que há alternativas.

Os serviços do Estado são do conjunto dos portugueses, da Nação, não são do Estado, muito menos dos governos, são para servir a população, não são para servir apenas uma parte desta, neste caso a que estuda nas escolas do Estado.

O Estado é necessário, mas o seu longo braço não pode sufocar o país e em matéria de ensino a liberdade de escolha é irrevogável e o ensino privado tem de ser encarado como um parceiro e nunca como um apêndice supletivo e discriminado.

Os serviços de saúde têm de ser disponibilizados a todos os estudantes em igualdade de circunstâncias, sejam das escolas estatais, sejam das privadas, e é uma discriminação inaceitável que assim continue a não ser.

Membro da direção da Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado