Segunda-feira, 13 de Março.  Sabe-se que o Estado tem quatro mil prédios devolutos. Sim, o governo que pretende fazer de ocupa das casas dos privados não consegue sequer gerir o seu património. A estas casas devolutas do Estado há que juntar os andares construídos para habitação mas em que por esse país fora estão instalados serviços públicos, gabinetes estatais e municipais, comissões e institutos. Também se fica a saber que os sindicatos de professores anunciaram greve às avaliações finais. Ninguém questiona o impacto destas greves nas aprendizagens. Desde o ano lectivo 2019-2020 que os alunos portugueses não conhecem um ano escolar que decorra de forma normal. A clivagem entre o ensino público e o privado acentua-se cada vez mais pois se durante a pandemia já foram evidentes as fragilidades da escola pública, agora a contínua instabilidade laboral está a fazer dela um espaço murado de ocupação dos tempos livres. Mais grave ainda, os alunos que estão a acabar os quatro anos do que era a antiga escola primária vão sair com lacunas de aprendizagem que não são compensadas nos anos seguintes porque a formação dos professores e das aulas são completamente diferentes. Escusamos de querer tapar o sol com a peneira: não vai ficar tudo bem para estas crianças.

Estava dado o mote para uma semana em que o absurdo gerado pela incompetência foi tal que os versos da canção de Vinicius sobre o nº zero da Rua dos Bobos parecia uma profecia para Portugal em 2023: “Era uma casa muito engraçada. Não tinha teto, não tinha nada

Terça-feira, 14 de Março. De segunda para terça o Correio da Manhã revela que, dois dias antes, no sábado, os marinheiros do navio patrulha Mondego não embarcaram numa missão porque, dizem, o navio Mondego mete água. O navio russo que deviam vigiar levou uma piada para contar. O país esse ficou a ver passar cenas saídas do PREC — “Primeiro fazem-se plenários, depois é que se cumprem as ordens!” explicava o almirante Pinheiro de Azevedo em Novembro de 1975 para dar conta do estado anómalo da tropa portuguesa. Como não podia deixar de ser, de imediato se passou para o passatempo preferido da Pátria: a discussão do que diz Marcelo presidente versus o protagonista do momento que, no caso, é Gouveia e Melo, possível candidato a PR. Nem uma palavra sobre a degradação das Forças Armadas. O que aconteceu no navio patrulha Mondego, para lá de um problema militar, é também o resultado da patranhologia do Ronaldo das Finanças, de seu nome Mário Centeno. Orçamento a orçamento inscreveram-se nos OE despesas que não se executavam mas que permitiram ao primeiro-ministro fazer de optimista, ao PR fazer de ponto do PM e ao país mediático anunciar o virar da página da austeridade. Entretanto, atrás dos holofotes, o país esboroava-se. Como o interior do navio patrulha Mondego. Hoje Portugal é uma espécie de navio patrulha Mondego com uma parte da guarnição em protesto, a outra a tentar cumprir as ordens, enquanto tudo vai falhando por falta de manutenção: “Ninguém podia entrar nela, não. Porque na casa não tinha chão“.

Quarta-feira 15 de Março. Sabe-se que cerca de 15 mil audiências e diligências foram adiadas devido à greve do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), que já dura há um mês e se vai prolongar por mais trinta dias, ou seja até 16 de Abril. Naquele mesmo dia também se soube que o Ministério Público pedia nulidade do acórdão da Relação sobre Tancos na parte dos metadados, uma anulação que vem acompanhada de outras anulações em crimes ainda mais perturbantes: Acórdão de Metadados obrigou a anulação de casos de pornografia infantil. Por outras palavras, a greve dos funcionários judiciais está a atrasar a já muito atrasada justiça mas a incapacidade revestida de arrogância de António Costa e da sua então ministra da Justiça Francisca Van Dunem ao terem ignorado os avisos para as incongruências da legislação sobre os metadados em Portugal gerou um problema bem maior.

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No XII Congresso dos Juízes Portugueses, que por ironia está a ter lugar na Madeira, onde está fundeado o navio patrulha Mondego, o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses alertava para o caso Sócrates (sem nunca dizer o nome do antigo PM) e para os alçapões da lei: é possível interpor 20 incidentes de recusa de juiz num mesmo tribunal, apenas porque se pode pagar as custas judiciais inerentes. “Isto é apenas uma manobra processual para levar o processo para a prescrição enquanto depois a pessoa que está nesse processo vai poder continuar a dar entrevistas a dizer que foi vítima da lentidão da justiça. Isto assim parece uma brincadeira, não é?”

A linha que divide a brincadeira da tragédia é curta e na política ainda é menor. Portanto é melhor que perguntemos antes que essa linha se esbata: José Sócrates vai ser julgado ou não? Responder sim ou não a esta pergunta não é apenas uma questão de justiça mas também, e muito particularmente, de regime: “Ninguém podia dormir na rede. Porque na casa não tinha parede.”

Quinta-feira 16 de Março. Transtejo compra barcos que não navegam. “É como comprar um automóvel sem motor, uma moto sem rodas ou uma bicicleta sem pedais” argumenta o Tribunal de Contas. Quando se pensava que depois do caso TAP não poderia haver pior, eis que temos o caso dos dez barcos para a Transtejo, nove dos quais não podem navegar. Tudo começa torto quando num arrebatamentos descarbonífero o Governo resolveu ter um gesto inédito e comprar embarcações eléctricas para a travessia do Tejo. O pior é que a compra das baterias foi tão mal negociada que a Transtejo não pode comprar as baterias à empresa que as fabrica, tendo sim de adquiri-las ao fabricante dos barcos que por sua vez as compra ao fabricante. Agora temos dez barcos dos quais só um tem baterias. Ah, já me esquecia, os comboios continuam em greve: “Ninguém podia fazer pipi. Porque penico não tinha ali

Sexta-feira 17 de Março. Dia de greve da função pública. No estado em que a administração pública e o sector empresarial do Estado se encontram, notícia seria se não tivessem feito greve. Ou que fazendo greve não escolhiam fazê-la à sexta-feira.

A máquina do Estado tornou-se um monstro descontrolado: o SNS sacou de uma caixa de lápis-de-cor e pinta os dias da semana a azul, rosa, amarelo e verde. Cruzando a cor com a hora do dia, mais o dia de semana, fica a saber-se qual a urgência a que se pode ir. Caso se consiga acertar com a dita urgência e esta estiver cheia a culpa é nossa que não temos literacia para saber usar o SNS.

Já a  TAP, que era vital ser nacionalizada para virarmos a página (realmente virámos mas foi para um livro de terror!) destaca-se, não pela excelência do seu trabalho, mas sim pela forma como torra o dinheiro dos contribuintes portugueses, e por estar a desenvolver uma nova área de negócio: o despedimento na hora da CEO; as indemnizações aprovadas por ministros via whatsapp e o governo que não sabe nem responde: “Mas era feita com muito esmero. Na Rua dos Bobos, número zero

Sábado 18 de Março. Quando parecia que nada mais nos ia surpreender, ainda a digerir os marinheiros que não embarcam porque o navio mete água, os barcos que não navegam porque não têm motor, os professores que não ensinam porque estão em luta e os oficiais de justiça que não diligenciam porque não têm carreira ou se têm não é aquela que acreditaram ter durante os anos da geringonça, eis que ficámos a saber que por esse país fora os carros patrulha da PSP não andam. Têm motor e pneus mas faltam-lhes peças e manutenção, logo encostam. Por sorte que ainda não chegaram os preços tabelados às cebolas, pois se assim fosse os agentes teriam de ir a pé meter ordem nas filas de espera para a distribuição das cebolas vendidas pelo preço tabelado.

Tanta incapacidade e desnorte por parte do Governo surpreende e assusta. Quando dentro de algum tempo começarmos a ouvir questionar a preparação dos futuros candidatos a PM ou PR, lembremo-nos de como o preparadíssimo e experiente Costa, a par do super inteligente Marcelo, fizeram de Portugal o nº zero da Rua dos Bobos.