Por força das circunstâncias não há período pior do que este para procurar adequar uma mãe trabalhadora à necessidade de cuidado e atenção que os seus filhos requerem. Ou seja, uma mãe trabalhadora é um ser dispensável nesta nova economia Covid. Ou se é mãe, ou se é trabalhadora. De resto, Deb Perelman, no The New York Times, chamou já a atenção para o mesmo. Continua a não se perceber, na prática, porque quase não se fala disto.

Três tópicos são absolutamente críticos para esta análise e conclusão.

1 Ser mãe no mundo de hoje
Ser mãe no mundo de hoje é complexo. Porque a sociedade é violenta para a pessoa enquanto pessoa. Porque a sociedade é impiedosa para a pessoa enquanto mãe. Porque a sociedade descarrega na mãe a maioria do trabalho de cuidadora dos seus filhos. Porque a sociedade, por mais moderna e igualitária que se julgue que está, ou que a queiramos, despeja física e psicologicamente sobre uma mãe muito mais do que sobre um pai. Não, não abuso da generalização. Porque é possível esta generalização. A mãe é, para todos os efeitos, uma mãe sobrecarregada na sociedade atual. Foi-o no passado. Continua no presente. Sê-lo-á no futuro. Dir-me-ão e com razão: mãe é mãe. Verdade. Mas, em todo o caso, ser mãe nos dias que correm não é tarefa simples. Como nunca foi simples.

2 Ser mãe trabalhadora no mundo de hoje
Se ser mãe é complexo, sempre o foi e nos dias de hoje não me parece mais simples. Imagine-se conciliar essa exigência com a exigência de um trabalho cada vez mais qualificado. Se a qualificação é essencial, até para a melhoria da qualidade de vida no geral, traz associada uma necessidade de dedicação e de empenho superiores. Essa dedicação e esse empenho superiores requerem tempo e desgastam, igualmente, física e psicologicamente. Ora, este desgaste físico e psicológico deve ser somado ao desgaste físico e psicológico por se ser mãe.

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3 Ser mãe trabalhadora em contexto de economia Covid
Junte-se ao que se disse acima, uma mãe que trabalha e teve de ir para casa em teletrabalho. Ou que tem os filhos em casa porque a escola onde andam ainda não abriu. A tempestade pode ser perfeita. Não se pode exigir-lhe mais. Não se pode pedir-lhe mais. Não se lhe pode acrescentar mais carga física e psicológica. Não é uma questão de aguentar ou não. Está a tornar-se numa questão civilizacional crítica: ou és mãe ou trabalhas. Em remoto e com filhos em casa, ou escolas por abrir e crianças sem local para ficarem durante o dia, como se concilia a vida de mãe com a vida de trabalho? Não é uma questão de trade-offs até porque, mãe que é mãe, saberá para onde pende a balança em caso de escolha.

E se, por um lado, uma mãe não desiste de ser mãe (a exceção confirmará a regra), por outro, uma mãe pode desistir de um trabalho como pode desistir de acompanhar os seus filhos em matérias escolares.

Quantos e quantos casos existirão e quantas e quantas heroínas desconhecidas se estão a criar, que, não obstante tudo isto e em presença desta nova economia Covid, não querem abdicar dos seus filhos enquanto mães e enquanto professoras deles mas, também, enquanto profissionais de brio e máxima entrega?

Ao contrário, e porque a dor entra pelos ossos adentro, quantas e quantas mães não aguentam a pressão do trabalho, da educação e da lecionação em casa? Não porque não queiram fazê-lo, são heroínas na mesma apenas por tentarem, mas porque reconhecem que lhes falta força, estão exaustas, dilaceradas pela necessidade de fazerem escolhas que lhes arrancam a alma.

4 O que nos tem mostrado a economia Covid?
O que esta economia vem colocar em causa é que uma mãe possa ser também uma trabalhadora, possa ter que ter os filhos em casa e esteja em trabalho remoto. Com tudo o que isso acarreta: papel de mãe, papel de professora dos filhos (quando o consegue), papel de colega de brincadeira dos miúdos – arredados das escolas, da atividade física e da socialização – e papel de trabalhadora. Dir-se-á que é possível, ou usar-se-á o estafado argumento “se não consegues tomar conta dos teus filhos nunca deverias ter sido mãe”? Mas não, não é por aí. Nem pode ser.

Os decisores políticos e empresariais terão de tomar em consideração, de forma muito séria, este papel tríplice (fazendo pelo mínimo) que se coloca a uma mãe trabalhadora. Por isso mesmo, e porque não é sustentável continuar assim, as escolas terão de abrir e as mães terão de voltar a trabalhar, se possível presencialmente. Porque a rotina de sair de casa é saudável em termos psicológicos. Encontrar colegas, frequentar espaços públicos e socializar é também uma questão de higiene mental.

5 Concluindo
Não sei se a pandemia continuará como pandemia e se o vírus se prolongará por anos. Não sei se passaremos da fase pandémica à endémica. O que sei, é que para todas as mães nestas circunstâncias, e para bem de um país que delas precisa, bem como dos seus filhos, não podemos voltar a confinar da forma como fizemos. Estaremos a amputar a sociedade das suas cuidadoras mais importantes e do futuro que está nas suas mãos: os seus filhos. E entre o vírus, com todo o respeito pelas vidas humanas e devendo exigir-se o estrito cumprindo das normas sanitárias e de higienização, e a sobrecarga imposta a estas mães é claramente preferível optar por valorizar as segundas. Mesmo que muitos venhamos a sofrer desse mesmo vírus. Com isto, porém, não estaremos a amputar a sociedade naquilo que tem de mais precioso: o futuro.