Por estes dias, ficamos a saber que George W. Bush, Colin Powell e Mitt Romney não votarão em Donald Trump nas próximas eleições presidenciais nos EUA, estando a ser ponderado o voto em Joe Biden (no caso do ex-Secretário de Estado, o voto no candidato Democrata é já uma certeza). No mundo binário em que vivemos, a preto e branco, onde os vários tons de cinzento vão sendo despromovidos à condição de fraqueza e maciez, e no qual domina a visão maniqueísta que separa cegamente os bons dos maus, os puros dos impuros, os nossos dos outros, Bush, Powell e Romney não precisaram de esperar muito tempo para serem apontados por alguns dos seus pares republicanos como exemplos de uma direita cobarde e envergonhada, incapaz de fazer o necessário combate cultural contra o Partido Democrata e o seu candidato.

Bem vistas as coisas, a distância ideológica ou programática que separa Biden de um típico candidato republicano não é muito diferente daquela que separa Trump dessa mesma condição. Mas a distância que separa o candidato democrata da decência, da moderação, do humanismo e do respeito pelas instituições, é mais estreita do que o caminho que o candidato republicano teria de fazer para lá chegar.

É por isso que a posição das três figuras do Partido Republicano, ao contrário daquilo que de que são acusados, não poderia ser mais corajosa e assertiva. Porque perante a evidência do desfasamento entre Trump e os requisitos mínimos de respeito pela democracia, a liberdade e o rule of law, pilares fundamentais da fundação, do desenvolvimento e da união dos EUA, dar a cara para renegá-lo não é fazer o jogo da esquerda: é proteger a dignidade do sistema, do cargo e do país e, antes de tudo isso, defender a tradição democrática, moderada e liberal do Partido Republicano e da direita americana.

A cobardia fica para aqueles que, num silêncio táctico a pretexto de uma dialética simplista e um combate equívoco de quem apenas deseja a derrota do outro lado independentemente daquele por quem se combate no nosso, validam o desrespeito pelas instituições democráticas, a tentativa de promiscuidade entre poderes, a procura de instalar o culto de personalidade, a banalização do discurso de ódio, o alastramento do ambiente divisivo — ideal para quem quer dividir para reinar – e, acima de tudo, uma postura irresponsável, irracional, indigna e indecente. E que, com isso, validam o evaporar da direita americana tal como a conhecemos: a da defesa da Constituição, do espírito democrático e das liberdades.

“Podemo-nos unir em torno da razão, da dignidade, da decência e dos direitos individuais e depois, então, lutamos sobre os temas que quisermos” é o mote certo dado por um dos muitos americanos anónimos que se reúnem no website da plataforma Republican Voters Against Trump. E esse mote é válido nos EUA como no restante mundo democrático, nomeadamente na Europa, onde a direita que ficará para a História como corajosa não é aquela que se disponha a oferecer silêncios e fretes cúmplices a Le Pen, Orban, Salvini, Abascal ou André Ventura, mas aquela que se disponha a combate-los e que imponha que a democracia e a liberdade se mantenham como valores inegociáveis.

Para aqueles que, à direita, vivem preocupados com o fantasma da suposta necessidade da guerra cultural contra a esquerda, preocupem-se antes em começar por aqui: higienizar o próprio espaço expurgando-o de más companhias que abastardam a herança cultural da direita civilizada, começando por gestos corajosos e assertivos como o de Bush, Powell ou Romney. Esse é o ponto de partida. Até porque sem ele, o ponto de destino nunca mais será o mesmo.

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