Há pelo menos uma década que os bancos centrais nos Estados Unidos e na Europa injectam liquidez no mercado e mantêm taxas de juro baixas, facilitando o acesso a crédito.

De bazuca em bazuca, o stock de dívida pública aumenta e a única garantia dada pelos Estados a quem empresta dinheiro é a possibilidade de ir ainda mais fundo no assalto ao bolso dos contribuintes. A faculdade de o Estado cobrar impostos é o colateral para o fluxo de crédito.

Mas a combinação de injecções monetárias com baixas taxas de juro distorce o bom funcionamento da economia porque altera os preços relativos entre bens de capital e de consumo. Dá sinais errados aos empresários gerando ineficiências na alocação de recursos que resultam em estruturas produtivas desajustadas àquilo que o mercado procura.

Com este artifício de empréstimos baratos e liquidez, muitas empresas conseguem aguentar projectos de baixa rentabilidade, reduzindo a sua produção. Surgem as chamadas “empresas zombie” e a economia acumula sobrecapacidade instalada de produção.

Em Portugal fala-se muito da reindustrialização do país, mas esquecemo-nos de que a taxa de utilização da capacidade produtiva na indústria transformadora era de 70% no primeiro trimestre de 2020. Ou seja, tínhamos 30% de excesso de capacidade produtiva.

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O problema é que quando as empresas zombie competem com as empresas saudáveis por recursos escassos como matérias-primas, energia ou bens de capital de difícil conversão, os preços desses recursos sobem. Por exemplo, em Portugal, apesar do sector de construção e promoção imobiliária ter, segundo o INE, um excedente de capacidade produtiva entre 25 e 30%, os salários da mão-de-obra ou o preço dos materiais subiram muitíssimo, repassando os promotores este custo acrescido para o preço final na venda das casas.

A inflação já está aí. É ainda uma “inflação oculta” pois o índice de preços oficial é calculado com base num cabaz de bens específico e teórico, mas o nível de inflação que as pessoas comuns registam no seu quotidiano é visível nos preços dos alimentos frescos, arrendamentos ou electricidade. Ora, este aumento do custo de vida já era uma realidade nos anos anteriores à Covid-19, pelo que a crise agora provocada pelos governos com o fecho mandatório das actividades a pretexto deste vírus respiratório, não nos deve criar um efeito de miopia sobre o que analistas mais atentos identificaram, como a presença antes de 2020 de fortes pressões inflacionistas e de risco de bolhas económicas.

O Banco Central tem por definição estar atento e tomar medidas de precaução que evitem subidas generalizadas de preços. Mas a crescente influência política do Governo na instituição com a nomeação de um ex-ministro de António Costa para o cargo de Governador, não é algo que nos possa tranquilizar relativamente a esta matéria, sobretudo porque a inflação é um imposto disfarçado que afecta em especial os mais pobres.

Adoptar uma estratégia de recuperação económica baseada no constante refinanciamento de dívidas, no crédito fácil e na distribuição de dinheiro através de bazucas é adiar e agigantar uma depressão futura que será necessária e quiçá inevitável para o ajustamento económico do tecido produtivo à procura real.

Aliás, os mais de 120 mil milhões de euros que Portugal recebeu da União Europeia nos últimos 35 anos não nos livraram da estagnação económica em já estávamos imersos antes da Covid. Só nos seis anos do último quadro comunitário veio para Portugal um montante equivalente a cerca de 2.500 euros por habitante, mas os dados oficiais indicam que 99,2% das empresas não beneficiou de apoios comunitários e que se gastou um milhão de euros por cada um dos 26 mil empregos directos criados.

Os números acima são contas simples e médias, mas servem para ilustrar a patranha que os nossos políticos nos querem impingir de que os apoios comunitários têm sido colocados ao serviço geral do desenvolvimento da economia nacional e da coesão social. Uma aldrabice total. Uma mentira pegada. O “dinheiro da Europa” apenas alimenta o monstro do Estado e os negócios à boleia dos favores públicos, bastando referir que 84,2% do investimento público em Portugal foi realizado com subsídios europeus. Note-se, em contraste, que na Irlanda onde o peso dos fundos europeus no investimento público é quase 30 vezes inferior, só em 2020 – ano de pandemia – o PIB irlandês cresceu 3,4% e o português teve uma diminuição de 7,6%.

O despejo das subvenções de Bruxelas, ao mesmo tempo que institucionaliza a indústria da mão estendida, abafa os sectores que criam valor, desviando recursos para os homens de negócios com a lista telefónica certa.

Por outro lado, a dívida pública nacional e europeia irá ter de ser paga. Quem empresta esse dinheiro fica cada vez mais com um risco apercebido de potencial insolvência soberana. Para fazer face a esta deterioração qualitativa do risco de crédito dos Estados, os governos serão necessariamente obrigados a aumentar os impostos sobre os contribuintes para dar garantias adicionais aos nossos credores.

Este filme já foi visto e o argumento desta história não é especialmente entusiasmante. Se nos quiséssemos concentrar na melhoria da competitividade e aumento da produtividade, as bazucas e os créditos europeus deveriam ser agradecidos, mas recusados.

Para isso, já vamos tarde.