Houve um tempo em que a política em Portugal se fazia com betoneiras. Deixar obra era, na gíria, sinónimo de construir infra-estruturas em todo o lado — nomeadamente rodoviárias. Esta obsessão não derivava de qualquer fetiche com maquinaria pesada e tinha uma simples razão de ser: explicava-se com a necessidade de os políticos eleitos terem algo concreto para mostrar e assim justificar o voto neles confiado. Afinal, é mais fácil exibir a construção de uma ponte, que fica ali para ser usada diariamente, do que garantir a sustentabilidade da Segurança Social ou modernizar o sistema educativo — reformas estruturais da maior importância, mas de efeitos lentos e resultados invisíveis a olho nu.
Hoje, o ímpeto do betão esmoreceu (embora o Governo anseie por reavivá-lo). Mas o princípio subjacente a esta forma menor de deixar obra mantém-se intacto: o de infantilizar os cidadãos e eleitores, optando preferencialmente por medidas políticas vistosas e emblemáticas (mesmo que ineficazes), em detrimento de medidas discretas, orientadas pela investigação e previsivelmente mais eficazes. A gestão feita pelo Governo da contenção da pandemia é um exemplo dinâmico disso mesmo, sucedendo-se as medidas recentes que apenas servem para o Governo alegar serviço (lembram-se da app?) — e perante as quais ao país compete fazer-de-conta que funcionam.
A obrigatoriedade do uso de máscara na rua é uma dessas medidas, de utilidade muito discutível — tudo indica que será completamente ineficaz para travar o crescimento de infecções por Covid-19, conforme vários especialistas, epidemiologistas e médicos reconheceram. Dir-me-ão que a ciência desconhece ainda muita coisa acerca da Covid-19 — é verdade. Mas há algo que nos últimos meses se percebeu: o risco de contágio ao ar livre é baixíssimo, nomeadamente quando cumpridos alguns gestos-barreira. Claro que, em áreas movimentadas, mesmo que ao ar livre, o uso de máscara deve ser incentivado — como aliás já acontecia em vários locais. Mas daí a impor a obrigatoriedade e ameaçar com multas vai uma enorme diferença, até porque se trata de uma medida desproporcional: é duríssima, mas tem uma eficácia estimada completamente marginal.
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