Faz sentido avaliar crianças quando a escola está no meio da sala?

Se avaliar quiser dizer que uma escola deve, no final deste “terceiro período”, ter uma perspectiva da eficácia do seu ensino que se traduza na forma como os alunos aprenderam os conhecimentos que lhes foram disponibilizados, sim.

Se avaliar quiser dizer que se tem de atribuir a cada aluno uma nota individual que pretenda traduzir, de forma numérica, a sua aprendizagem neste “terceiro período”, não!

Porque este é o tempo de “aulas” mais atípico e mais desigual que os nossos filhos jamais tiveram. Porque ter a escola “no meio da sala” e no “meio do teletrabalho” dos pais introduz tantos “solavancos” tão diferentes na aprendizagem que, nesta altura, falar da educação como igualdade de oportunidades é uma ficção (bem intencionada); mas, essencialmente, uma ficção. Porque há alunos que têm 6 e 7 horas de aulas por dia, outros que têm uma hora de aulas e outros, ainda, que não têm contacto com alguns dos seus professores há já algum tempo. Porque há alunos que têm “ambiente de estudo”, um computador pessoal e rede digital e alunos que não têm nada disso. Porque a forma como os professores estão a transitar do ensino presencial para o “ensino à distância” se faz a muitas velocidades diferentes e com meios e recursos formativos muito distintos. Porque há alunos que têm um dos pais a olhar pela sua aprendizagem e alunos (de 8, 9. 10 e 11 anos) que passam o dia sozinhos (!!), porque os seus pais têm trabalhos precários que, todavia, são imprescindíveis à subsistência da família. Porque há alunos que, em vez de terem aulas, têm os seus professores ou a recomendarem-lhes as páginas que têm de estudar ou a “substituir” as aulas por trabalhos de casa, e tudo isso cria diferenças tão abissais que faz da justiça de uma avaliação um “sonho”. E porque avaliar crianças entre os 6 e os 14 desta maneira corre o risco de as  prejudicar, mais do que as ensinar.

Por outro lado, colocar sobre os professores a responsabilidade de avaliar os seus alunos, de maneira idêntica, no meio de tantas condicionantes (tão diferentes!), não é “amigável” para com eles. Dir-me-ão: mas se não existir a avaliação dos alunos não se justifica o ensino. Não é verdade! Mas, ainda assim, assuma-me que a avaliação, nesta altura, irá “classificar” mais os desempenhos das famílias e o bom senso da escola do que, propriamente, cada aluno, por si. A avaliação do “terceiro período” não se dará através de testes e irá concretizar-se, por exemplo, com trabalhos em que os pais participaram? E, depois: qual é o mal? Tudo é melhor do que alimentarmos a ideia que uma avaliação, neste terceiro período, pode dar a entender que voltámos a uma quase-normalidade.

Retome-se, com a quarentena, a escola da forma possível. “Usem-se” os pais como “professores” da forma possível. “Usem-se“ os professores da forma possível. Ensine-se e “avalie-se” da forma possível. Mas não se transforme esta espécie de terceiro período de aulas numa avaliação final mais ou menos igual às outras. Não se use, por favor, a avaliação, nesta altura, como uma “epidemia de dores de cabeça” dentro da pandemia! Até porque escola em tempo pandemia supõe que:

  • Mais importante que ter aulas é perceber que um professor não se esquece dos seus alunos e que a distância que os separa não os impede de estarem ligados;
  • Mais importante que dar-se muita matéria nova é “não deixar” que aquilo que se aprendeu até Março se “evapore” da cabeça de um aluno;
  • Mais importante que cumprir “o programa” é ter a escola a dar argumentos aos seus alunos que lhes permitam lidar com o absurdo das coisas misteriosas e dos medos assustadores que estão a viver;
  • Mais importante que “muita escola” é ter-se a escola a dar bons exemplos de parcimónia e os professores a destacarem-se como os guardiões do bom senso;
  • Mais importante que ter pais partidos em três (a fazer de pais, de “professores” e em teletrabalho) e professores partidos em três (tentando conciliar o que a escola lhes exige, tudo o mais que os pais esperam deles e aquilo que eles conseguem dar) é começarmos a aceitar que o primeiro período do próximo ano lectivo acabará, ele sim, por vir a fazer as vezes deste terceiro período de aulas. Porque não há como estar de quarentena para a vida e aberto e desperto e atento para a escola; tudo ao mesmo tempo.

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