A rapidez com que António Costa desencantou mais dinheiro para aumentar o bolo dos subsídios que apoia as artes é um bom exemplo de como o Governo actua, com rigor, sob a estratégia da navegação à vista. As regras que fixaram os critérios de atribuição dos apoios entraram em vigor em 2017, mas bastou um pouco de ruído de um sector da sociedade que tem acesso ao megafone da comunicação social para o Governo recuar.

Já que o tema controverso tinha a ver com teatro, António Costa não negligenciou a oportunidade de renovar os seus talentos para representar o papel de quem não tem responsabilidades em problemas que possam elevar a temperatura política junto das plateias que contam para o seu sucesso político.

Apesar da natureza do problema, o reforço de verbas para conceder subsídios a quem não foi beneficiado em primeira instância não se resumiu a um qualquer truque de artes mágicas destinado a fazer aparecer dinheiro nos cofres pindéricos do Ministério da Cultura. Apenas aconteceu que os protestos e queixumes surgiram de um sector da sociedade que é uma das coutadas dos parceiros da coligação parlamentar, muito hábil a disseminar o desprezo por quem não pertença à tribo e se atreva a contrariá-lo, bem como a explorar a tibieza com que o poder político costuma lidar com os seus ataques de mau humor. Como se pôde constatar, o dinheiro aparece desde que alguém ameace chegar fogo à peça.

O episódio dos apoios às artes não é caso único. Já sucedeu noutras áreas e o padrão de comportamento do Governo repetiu-se, como se em causa estivesse uma nova série de experiências inspiradas em Pavlov. Quando as campainhas começam a soar, António Costa avalia os danos potenciais na sua popularidade e os prejuízos que podem ameaçar a estabilidade da geringonça. E analisa se ainda sobra garganta ao Bloco e ao PCP para engolirem mais sapos do que todos aqueles que lhes têm sido impostos em nome da redução do défice público. No fim, assina o cheque que estava a fazer falta para assegurar a manutenção do silêncio e da tranquilidade.

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Poucas formas de actuação serão tão desmoralizadoras para os sectores da sociedade que não têm amplificadores à disposição para fazerem chegar os seus protestos aos gabinetes do poder. A prática de ir distribuindo dividendos por quem pode falar mais alto é um perigoso factor de descrédito nos políticos e no regime. Para o Governo, estas questões parecem ser meras bizarrias. Os objectivos eleitoralistas de curto prazo são incompatíveis com eventuais algazarras, um privilégio que não é para quem quer, mas para quem pode.

O caso dos subsídios às artes e do clamor que provocaram não se esgota no facto de ter proporcionado o retrato de um Governo sem projecto, nem visão, desprovido de um rumo que não seja o de ziguezaguear entre os focos de contestação para conseguir sobreviver. Mas também parece evidente que as escolhas feitas, sobretudo nos apoios que inicialmente foram concedidos ao teatro, têm que se lhe diga, a começar pelos critérios que são ponderados de acordo com o regime actual.

O discurso sobre a necessidade de pensar no país para além dos grandes centros urbanos, que nasceu convenientemente na sequência dos incêndios do ano passado, e de adoptar medidas que ajudem a revitalizar o interior foi sol de pouca dura ou simples falta de sinceridade política. A esmagadora maioria dos subsídios foram agora atribuídos a projectos que funcionam em Lisboa e no Porto e duas cidades, Coimbra e Évora, não tiveram direito a um mísero cêntimo. Pelo menos no que respeita ao teatro, quanto a descentralização está tudo esclarecido.

As regras que estabelecem a ponderação dos diferentes critérios de concessão dos apoios são recentes, mas parecem ter barbas longas. Se é verdade que o número de espectadores por sessão de teatro tem vindo a recuperar desde 2011, fazer o que for possível para ir além das duzentas pessoas que, em média, estão presentes actualmente em cada exibição devia ser uma ambição óbvia. Seria, seguramente, um contributo para amenizar as dificuldades financeiras de que os promotores dos espectáculos e a generalidade das pessoas que trabalham no sector se queixam infatigavelmente. Mas a regulamentação aprovada pelo actual Governo desvaloriza o assunto.

Nas avaliações feitas pelas comissões que decidem a quem vai ser prestado apoio, a “repercussão social” apenas pesa 15% na opção final. Nada haveria de mal, caso este critério não incluísse a “estimativa de adesão de participantes, espectadores e visitantes das actividades” e a respectiva importância “no plano profissional, social e territorial”.

Traduzido, isto significa que o esforço de uma companhia para evitar ter a sala de espectáculos entregue às moscas, assim como as iniciativas destinadas a divulgar e, muito provavelmente, a atrair novos públicos para as peças que leva a cena, são uma questão de menor importância. Do ponto de vista do Governo, a forma como o orçamento é gerido é mais importante do que o incentivo às companhias teatrais para que cultivem junto do público o gosto pela arte que praticam, a única solução para combater a subsidiodependência e a promiscuidade política que lhe está associada.

A regulamentação dos apoios às artes parece ter sido elaborada, a régua e esquadro, no Ministério das Finanças. Mas o mais provável é que, no palco do Governo, sejam mesmo todos Centeno.