A guerra na Ucrânia fez regressar os debates sobre a defesa europeia. Ou melhor, sobre a capacidade europeia de se defender sem a ajuda dos Estados Unidos. Na linguagem diplomática francesa, “a autonomia estratégica europeia.“ Mas a defesa da Europa e a autonomia estratégica são questões diferentes. Há defesa europeia. Chama-se NATO. Desde 1949, a Aliança Atlântica garantiu a defesa da então Europa Ocidental. Hoje, continua a garantir a defesa europeia, como mostraram os finlandeses e os suecos. As tropas russas entraram na Ucrânia e a Finlândia e a Suécia pediram a adesão à NATO.

Mas consegue a União Europeia e os países europeus defenderem-se de um modo autónomo? Não, não conseguem. Continuam a precisar da NATO e dos Estados Unidos. A incapacidade de defesa autónoma dos europeus não resulta de qualquer imperialismo americano ou da expansão dos Estados Unidos. Foi uma escolha dos governos europeus, dos eleitorados europeus, desde 1945 até hoje. E será muito difícil os europeus mudarem as suas escolhas.

A história conta-se facilmente. Depois da segunda guerra mundial, a União Soviética ocupava metade da Europa, com as suas tropas instaladas no centro da Alemanha. A Europa Ocidental estava destruída, empobrecida e, principalmente, esgotada moralmente pela guerra. Os Estados Unidos vieram defender os europeus da ameaça soviética. Os europeus poderiam ter decidido investir na defesa e não dependerem dos norte americanos. Mas não o fizeram. Concentraram os seus recursos no crescimento económico e nas políticas de proteção social.

Com o fim da Guerra Fria, em 1989, a reunificação da Alemanha e o colapso da União Soviética, em 1991, os europeus tiveram uma segunda hipótese para se armarem e conquistarem autonomia militar. De novo, resolveram não o fazer. Foi um americano de origem japonesa que escreveu o Fim da História, mas foram os europeus que acreditaram genuinamente que uma certa história tinha mesmo chegado ao fim. A história das guerras, das competições geopolíticas, das corridas aos armamentos militares. Os europeus acreditaram que a história do mundo seguiria a exemplo da Europa, integração económica, trocas comerciais, cooperação sobre problemas comuns, e reforço da democracia. Durante três décadas, os europeus viveram na ilusão do fim da velha história e do início de uma nova história. Os principais partidos políticos fizeram campanhas eleitorais a dizer isso aos eleitores, os cidadãos europeus votaram nesses programas políticos, e os governos gastaram dinheiro em quase tudo menos em capacidade militar.

Putin e a invasão da Ucrânia acordaram os europeus do seu sonho de décadas. Conta-se que, numa reunião na universidade de Cambridge, um jovem académico apresentou propostas para reformar as regras de funcionamento do seu departamento. Consciente de que algumas das suas ideias poderiam ser vistas como demasiado revolucionárias, acrescentou: “estudei as reformas do nosso departamento durante os últimos dois séculos, e as minhas propostas enquadram-se plenamente no espírito dessas mudanças.” O director do departamento respondeu: “o meu jovem colega não considera que os últimos 200 anos foram verdadeiramente extraordinários?”

As últimas três décadas na Europa também foram extraordinárias. Estamos agora a voltar ao normal. Entretanto, a Europa perdeu a sua soberania militar. Hoje, os países europeus estão endividados, com cargas fiscais elevadas e com compromissos duradouros em relação às proteções sociais. Para manterem o “Estado social”, os países europeus terão que continuar a serem defendidos pelos Estados Unidos. É o resultado de décadas de escolhas políticas dos europeus, eleitores e governos. Nenhum líder político europeu o diz. Mas é a verdade. E todos os líderes europeus o sabem.

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