Esta semana o vice-presidente da Comissão Valdis Dombrovskis anunciou que acordo de investimento que tinha sido assinado em dezembro do ano passado entre a UE e a China está desde a semana passada, para todos os efeitos congelado depois de a China ter sancionado cidadãos da UE e eurodeputados que criticaram a situação dos direitos humanos especialmente em Xinjang.

Esta notícia, longe de ser um caso isolado, reflete uma mudança de paradigma. A economia como nós conhecemos nos últimos cinquenta anos está a transformar-se mais do que parecia possível. Depois de décadas de crescente integração económica, cultural e tecnológica, a internacionalização está a estagnar e até, em certos casos, a regredir.

Segundo dados do Banco Mundial, o comércio internacional em percentagem do PIB subiu de menos 40% para mais de 60% entre 1980 e 2008 e estagnou desde então. Em 2019, este rácio era igual ao de 2008, enquanto os fluxos de investimento direto estrangeiro diminuíram de mais de 5% em 2008 para menos de 2% em 2019. Esta estagnação está associada a fatores como o peso regulatório crescente sobre as instituições financeiras, que atrasou a concessão de créditos, e a dificuldade em continuar a baixar os custos dos transportes, resultado dos níveis historicamente elevados do tráfego mundial de mercadorias.

Para além destas barreiras financeiras e físicas, é também inegável que o sentimento político a favor da globalização arrefeceu em muitos países avançados, sobretudo por pressão das classes médias que viram uma parte dos seus rendimentos deslocados para os países emergentes. Existe também uma crescente pressão pública para que as relações comerciais não sejam meramente determinadas por motivações económicas, mas também éticas, em particular preocupações com os direitos humanos e ambientais. O caso recente de Odemira é ilustra bem esta situação. Por fim, a pandemia reabriu o velho fantasma da autonomia estratégica de certos bens e serviços.

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Nos Estados Unidos, o afastamento da internacionalização não começou com o Presidente Trump e não desapareceu com o final do seu mandato. Apesar de ter retomado vários acordos internacionais, o Presidente Biden não mudou fundamentalmente a tendência mais protecionista da américa da última década. Logo em janeiro, publicou uma ordem executiva que reforça a política “Buy American”, especialmente na contratação pública.

Por seu lado, segundo notícias do Financial Times, a Comissão Europeia está a preparar um reforço dos poderes da intervenção da EU, não só em fusões e aquisições de empresas, mas também na contratação pública com empresas fora da Europa que beneficiam de ajudas dos respetivos Estados, o que afetará países como a China e os Estados Unidos.

Se as preocupações políticas com a globalização devem em algumas circunstâncias ser atendidas, é preciso também aceitar que o arrefecimento da globalização terá custos para além do aumento dos preços de alguns bens nas economias avançadas. A globalização, como todos os fenómenos de desenvolvimento humano, não está isenta de dificuldades e gera ganhadores e perdedores. Mas é impossível dissociar o crescimento extraordinário dos fluxos de comércio e de investimento internacionais da eliminação da pobreza em muitas economias emergentes. Desde 1980 a percentagem da população que vive abaixo do limiar de pobreza diminuiu de mais de 40% para menos de 10%. Segundo o Pew Research Centre, também durante este período, a percentagem de países democráticos subiu de cerca de 30% para 57%, e a percentagem de países autocráticos diminuiu de perto de 60% para 13%. O arrefecimento da globalização poderá congelar e até reverter alguns destes ganhos.