Na última semana, os principais ministros dos Verdes no governo alemão apareceram nas notícias para prestar esclarecimentos extraordinários: Annalena Baerbock, até há uns meses uma candidata plausível a Chanceler da Alemanha e hoje Ministra dos Negócios Estrangeiros, assegurou que a União Europeia aumentaria o auxílio militar à Ucrânia para os mil milhões de euros; Robert Habeck, até há uns meses o preterido para uma candidatura plausível a Chanceler da Alemanha e hoje Vice-Chanceler e Ministro da Economia e dos Assuntos Climáticos, confirmou um acordo com o Qatar para a compra de gás natural liquefeito.

Ainda que esses anúncios possam parecer apenas o resultado da condução corrente e sensata do governo do país, até há um mês os Verdes definiam-se essencialmente pelo antimilitarismo e a recusa liminar do investimento em energia não renovável. No seu tempo na oposição, ambas as posições foram levadas a extremos irrazoáveis, no abismo do ridículo, como aconteceu no (também hoje extraordinário) bloqueio da aquisição de drones pelas forças armadas alemãs ou na campanha interna e europeia pelo abandono da energia nuclear.

Não é a primeira vez que os Verdes mostram a flexibilidade dos seus princípios. Da última vez que estiveram num governo, sob liderança do agora funcionário da Gazprom Gerhard Schröder, o célebre Joschka Fischer passou de ativista contra a guerra a Ministro dos Negócios Estrangeiros que colaborou com o envio de tropas alemãs para o Afeganistão. Agora, tornaram-se proponentes da corrida ao armamento e clientes de um país que até há pouco tempo parecia demasiado repugnante até para justificar uma participação no campeonato do mundo de futebol. É uma novidade.

O pragmatismo verde até pode ser uma garantia contra o extremismo e um limite à viragem à esquerda que parecia inevitável para a União Europeia governada por Scholz, Macron, Draghi e Sánchez. Afinal, sempre pode dizer-se que no governo a realidade continua a sobrepor-se ao dogma, um sinal de coragem e competência.

Mas o que significa parar a viragem? Para a União Europeia, uma desorientação que se espera temporária. Prometer aumentos de despesa militar é uma reação de baixo custo e grande popularidade, mas a sua implementação pode implicar sacrifícios menos apreciados e por si só não garante a solução para qualquer problema. A política da União encaminhava-se para a fiscalidade partilhada, a política industrial, a transição energética e a autonomia estratégica. Já não está a ir por aí, por muito que nos tentem fazer acreditar que quase tudo e o seu contrário pode ser um sinal de autonomia, transição e esforço comum.

Estar disponível para comprar gás ao Qatar não é uma decisão que mereça aplauso pela coragem. Uma inversão de sentido tão brusca e profunda desvaloriza e descredibiliza as opiniões originais. Bismarck, com experiência de sangue, ferro e governo da Alemanha, disse certa vez que um exército conquistador junto à fronteira não poderia ser travado pela eloquência. Robert Habeck e Annalena Baerbock, cumprindo uma longa tradição dos Verdes, provam que o aforismo ainda tem lugar. Fazer campanha não é o mesmo que governar e, como anteriormente, os eleitores podem chegar à conclusão que mais vale votar no original. Seria, por assim dizer, uma lição.

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