Foram divulgados, no final de novembro, os resultados definitivos dos censos de 2021. Do exercício de Recenseamento da População e Habitação em Portugal é possível extrair inúmeros dados, não fosse este um dos exercícios massificados de maior complexidade levados a cabo no nosso país. Destacam-se, porém, os soturnos indicadores sobre a demografia e assimetrias regionais.

O estudo revela que Portugal registou, entre 2011 e 2021, um decréscimo populacional de 2,1%, algo que não acontecia desde a década de 60. Entre saldos migratórios positivos, o país foi, década após década, compondo-se demograficamente, escapando a uma realidade cada vez mais inevitável. Desta vez, nem a tradicional dinâmica imigratória foi capaz de evitar a perda histórica de população residente.

Sabe-se, portanto, que Portugal tem, hoje, menos residentes, mas como se distribui essa mesma população pelo território? Segundo os mais recentes dados, metade da população portuguesa concentra-se em 31 concelhos, cerca de um décimo do total de concelhos em Portugal, praticamente todos inseridos nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto. Verifica-se, pois, uma tendência de agravamento do padrão de litoralização e de concentração da população junto da capital, ao passo que a grande maioria dos concelhos não inseridos na faixa costeira envelheceram e perderam população.

Esta não é, contudo, uma realidade inaudita, tampouco desconhecida. Há décadas que os mais básicos compêndios do ensino básico vêm a abordar as temáticas da demografia, com particular acuidade para as problemáticas do envelhecimento e despovoamento dos territórios. Do mesmo modo, os “inovadores” programas eleitorais e de governo foram colhendo a bandeira da coesão territorial, à medida que, nesses territórios, sucessivos executivos fecharam linhas férreas, extinguiram freguesias, esses centros inestimáveis e indispensáveis de legitimidade democrática e contacto próximo com as populações, e encerraram importantes serviços públicos, aos quais se seguiram comércio e setor terciário privado.

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A realidade é que sempre se falou de “interior” ou, em novilíngua, de “territórios de baixa densidade”. Não se pretendendo encetar um debate semântico, importa reforçar o carácter indevido destas caracterizações. Há idos anos em que vales, montanhas e rios impossibilitavam e dificultavam deslocações, a expressão “interior” adequar-se-ia legitimamente à realidade. Hodiernamente, falar em interior quando estes territórios se encontram a curtas horas do litoral é, no mínimo, caricato. O interior já não é geográfico, é, sobretudo, uma construção mental, associada a uma mentalidade gasta e ultrapassada. A nova terminologia — “territórios de baixa densidade” — também não é particularmente feliz. Aplicando-se um referencial europeu, em Portugal, apenas as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto qualificar-se-iam como territórios, note-se, de média dimensão! O melhor, por muito que convoque mágoas e eventualmente pese na consciência, será mesmo falar em territórios ignorados, esquecidos ou, até, discriminados. Assim o foram, assim o são e, se o compromisso não se fortalecer e concretizar, assim o serão, eternamente, até serem remetidos a simples pedaços de terra.

Bom, dirá o leitor: “Diagnósticos e mais diagnósticos. São tantos e conhecidos. E soluções?” Avisa-se, desde já, que não há soluções milagrosas, muito menos infalíveis.

Para alumiar a travessia desta tenebrosa e gélida tempestade invernal, há dois eixos estratégicos a que os territórios se devem alavancar e prioridades que o Estado, como um todo, não pode deixar de inequivocamente assumir: competitividade e democracia. Competitividade no sentido de encontrar um elemento diferenciador, que torne estes territórios competitivos e democracia numa aceção de atribuir às populações a autonomia necessária para tomarem as suas próprias decisões, mais eficientes e próximas da realidade, com o respetivo envelope financeiro associado que as suporte.

1. Competitividade

Diz-se, popularmente, que entre a cópia e o original, prefere-se o original. Recorrendo às estratégias e soluções de sempre adotadas nos grandes centros situados no litoral, não só se estarão a aplicar técnicas gastas, como não passará de uma tentativa de replicar o que já foi executado, cavando-se um fosso ainda maior do que o existente. Mais uma vez, entre a cópia e o original…

É necessário, então, inovar, aumentar a atratividade e capacitar os territórios, dotando-os de elementos verdadeiramente diferenciadores e competitivos, nacional e internacionalmente. Neste plano, há vários vetores a considerar: 1) mobilidade: é necessário encolher o mapa português e facilitar, principalmente através do transporte público, o contacto entre todo o território nacional; 2) ordenamento do território: aldeias, vilas e cidades verdes, despoluídas, direcionadas para as pessoas, promotoras de qualidade de vida, tranquilidade e bem-estar; 3) clusters económicos: aproveitando os recursos endógenos, deve-se apostar em setores e indústrias que valorizem o que os territórios e populações têm de único e melhor; 4) centros de conhecimento e “fábricas” de produtos de alto valor acrescentado: para além da falta de oportunidades, um dos muitos problemas que assolam o “interior” é a existência de empregos pouco qualificados e precários, nos quais trabalhadores e trabalhadoras auferem baixos salários. Outrossim, as universidades, especialmente as situadas nesses territórios, assumem um papel crucial como infraestruturas de produção de conhecimento, que necessita de amiúde ser transferido e absorvido pelo setor empresarial.

2. Democracia

Para potenciar o desenvolvimento há, ainda, que oferecer às populações a liberdade e capacidade para escolherem caminhos e tomarem decisões estratégicas sobre o seu futuro. Dois processos/ princípios têm, assim, de ser inevitavelmente considerados: descentralização e regionalização. A densidade dos temas merecia a redação de crónicas autónomas. Deixam-se, contudo, breves notas. Por um lado, é importante aperfeiçoar a descentralização de competências, que se iniciou com este governo, monitorizando o processo junto das autarquias locais e retificando problemas de índole financeira e infraestrutural que têm vindo a surgir. Concomitantemente, urge avançar, sem receios e, se se permite, sem referendos, para a regionalização, mas não sem antes sopesar mapas, modelos e poderes a transferir, porque, contrariamente ao que os agentes governamentais têm vindo a advogar, não houve lugar a um debate suficientemente alargado e aprofundado no seio da sociedade portuguesa sobre o tema. Se a regionalização fosse hoje a votos, o povo português não saberia que projeto estaria a sufragar. Então, cabe aos partidos e ao Estado auscultar, refletir e informar as massas sobre as evidentes vantagens de regionalizar, sob o perigo de, não o fazendo, um referendo sobre o desconhecido resultar numa altissonante rejeição

Muito mais poderia ser escrito, ainda mais ficou por abordar. Sobre o inverno demográfico e a descoesão territorial do país fica a certeza de esta ser uma autêntica batalha civilizacional e, crê-se, uma missão determinante para o nosso futuro coletivo. O desígnio da coesão territorial não pertence exclusivamente aos territórios mais afetados pela sua falta, nem depende da benevolência graciosa de um poder político centralizado. É uma questão de justiça e igualdade, mas, acima de tudo, de desenvolvimento e crescimento socioeconómico.