A invasão da Ucrânia pela Rússia tem-se prestado a declarações assustadoras de políticos portugueses. Não me refiro às justificações do PCP, que apoia descaradamente os russos, mesmo tendo em conta a crítica às críticas que Putin fez a Lenine. Segundo o PCP, “as declarações de Putin constituem uma grosseira deformação da notável solução que a União Soviética encontrou para a questão das nacionalidades e o respeito pelos povos e suas culturas”. E, de facto, foi uma solução notável, só ao nível das soluções de arrumação recomendadas por Marie Kondo, que passam basicamente por deitar tudo para o lixo. Mas lá que fica tudo organizado, fica.

Nem me refiro às sonsas tomadas de posição do Bloco de Esquerda, espécie de PCP homeopático, que não são carne, nem peixe. E que, provavelmente, se explicam pela falta de carne e peixe na alimentação dos bloquistas, que são muito tíbios. Mas que não conseguem esconder a admiração pelo anti-imperialismo de Putin.

Aliás, as declarações de PCP e Bloco não só não assustam, como até tranquilizam. A partir do momento em que Putin começa a ameaçar com armas nucleares, dá jeito ser vizinho dos seus compinchas. Quando Putin estiver a escolher uma cidade europeia para espatifar, não vai para as grandes metrópoles, que seria demasiado escandaloso, nem para pequenos lugarejos, que não fazem mossa e até é um desperdício de ogiva. Há-de optar por uma cidade média, de preferência longe da Rússia, para a poeira radioactiva não chegar lá. Lisboa preenche os requisitos, é um alvo perfeito. A não ser que, na hora de apontar no mapa, Putin se lembre do sorriso bonacheirão de João Oliveira e pense duas vezes antes de obliterar os poucos aliados que ainda tem no Ocidente. A melhor garantia que Portugal tem de que não será atacado é a desonestidade intelectual da extrema-esquerda. Avante com isso, camaradas! Mantenham-se firmes na defesa das vossas convicções, por favor. O ideal era uma afirmação estapafúrdia por dia, para Putin tomar boa nota e não se esquecer de quem é amigo, quem é. Por exemplo, hoje tuitavam: “Apoiamos a luta dos soldados russos que viajam determinados dentro dos seus tanques, logo, autodeterminados. A autodeterminação dos povos é fundamental”. Amanhã, postavam no Insta uma foto do mapa dos Estados Unidos desenhado com caveiras e legendado “Tirem a pata da zona de influência do Império Russo, seus cães imperialistas – do imperialismo mau!” E, paulatinamente, qual Xerazade marxista-leninista, a extrema-esquerda vai distraindo Putin e salvando Portugal.

As declarações assustadoras a que me refiro são as que os membros do Governo têm feito sobre a questão energética. Essas são arrepiantes. Na medida em que, num dos próximos invernos, nos vão deixar a tremer de frio.

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Agora que há a possibilidade de a Rússia deixar de fornecer gás natural à Europa, agravando a crise energética, o ministro Matos Fernandes e o secretário de Estado Galamba insistem que só acelerando a instalação de renováveis é que Portugal pode ser independente da volatilidade do fornecimento de gás. Sucede que, se há um problema com falta de gás na Europa, a principal razão é, justamente, o facto de a Alemanha ter acelerado a instalação de renováveis e, ao mesmo tempo, ter encerrado as suas centrais nucleares. Ora, uma vez que as renováveis são intermitentes e precisam sempre de uma fonte de geração fiável na rectaguarda, para accionar em caso de necessidade, os alemães tiveram de se virar para o gás natural. E, também, para as suas centrais a carvão, que afinal não vão fechar já. Como, aliás, grande parte da Europa.

Ou seja, a suposta independência conferida pela instalação de mais renováveis é, na realidade, o oposto: quanto mais contarmos com o sol e o vento para o fornecimento de electricidade, mais precisaremos de back up prestado por combustíveis fósseis. Se o Ocidente contar com a Rússia para os fornecer, está bem tramado.

A não ser, claro, que Jerónimo de Sousa meta uma cunha ao amigo Putin.