Toda a gente sabe que mesmo os melhores alunos quando começam a dar-se com más companhias no pátio da escola correm o risco de piorarem as notas. O brilhante Marcelo – de quem se disse ser filho de Deus e do Diabo, tendo herdado do primeiro a inteligência e do segundo a maldade – não é excepção. E quando se começou a ver a camaradagem do Dr. Costa, do Sr. Ferro e do pater familias César, talvez tivesse sido prudente arrepiar caminho.

Marcelo Rebelo de Sousa será sempre para muitos (ainda que hoje para cada vez menos) – por mérito e vocação – o Professor Marcelo. O mesmo que passou anos, nos idos de 90 do século passado, a avaliar políticos e a atribuir-lhes notas, no célebre Exame da TSF. Sujeitar, relembrando isto, o político Marcelo a Exame talvez seja um exercício servido um bocado a frio, mas reza a história que ele gosta de sopas frias com nomes estranhos. Assim, nada melhor, portanto, que o final do ano lectivo (e do mandato presidencial) para o fazer.

Marcelo Rebelo de Sousa é um Presidente da República ineditamente próximo do povo (a que não é alheio o alto contraste com o seu antecessor) e inefavelmente popular (com as selfies, a mudança de calções na praia e a omnipresença nas trivialidades). Isto, sendo aos olhos de muitos muito positivo, torna-se numa indiscutível vantagem circunstancial para o político. Mas Marcelo sendo Marcelo, fazendo fé na sua sageza e não duvidando da sua leitura de George Steiner, também sabe que isso tem um efeito acelerado na perda da reverência tradicionalmente devida ao cargo de Presidente da República, coisa essa importante apenas aos olhos de alguns. E alguns são menos que muitos. Não é, portanto, inocente, é deliberado. Nem é institucional, é egoísta.

Ora, disto não se pode desligar a inconsequência política crescente das suas palavras. E nada melhor para os seus novos amigos, que a inconsequência das palavras de quem lhes poderia, a eles, pôr travão; porque se há coisa de que o PS não gosta é de travões. Em Pedrógão Marcelo exigiu o apuramento de responsabilidades. Em Tancos –  lembrar que também é o Comandante Supremo das Forças Armadas – exigiu o apuramento de responsabilidades. Em dois dos casos recentes mais flagrantes de erosão da autoridade do Estado, o presidente falou e nada aconteceu. Em nenhum caso as responsabilidades foram apuradas; descontando apenas, para distrair a atenção e se libertar dos fardos, o facto do Dr. Costa ter aproveitado para deixar cair duas figuras menores em quem não voltou a pensar e de quem não sentiu falta nenhuma.

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Para lá disto, Marcelo Rebelo de Sousa teve coisas muito boas, como a inscrição na agenda nacional o combate às situações de pessoas sem abrigo e as demonstrações de solidariedade e empatia com pessoas em situação de vulnerabilidade. Coisas muito más, como o envolvimento no afastamento de Joana Marques Vidal e o excesso voluntarista no caso Centeno. E ainda coisas inenarráveis, como a excepção feita à medida da CGTP para o 1.º de Maio e o discurso auto-justificativo no 25 de Abril.

Mas há mais. Não se podendo falar de Marcelo Rebelo de Sousa sem pensar nele como Professor, também não se pode pensar no ofício de professor sem ler, novamente, Steiner, quando nos fala nessa nobilíssima função, superada por nenhuma outra na capacidade de despertar noutros seres humanos poderes e sonhos para lá das suas circunstâncias, de fazer dos sonhos presentes a capacidade de construção do futuro. E futuro foi coisa que, no afã da espuma dos dias, Marcelo não soube projectar, ou sequer ajudar a projectar. E se esta falha é grande num Presidente da República, é uma falha maior em Marcelo.

Portugal é um país adiado. Do ponto de vista das prioridades políticas, está preso entre as minudências do presente e as narrativas antagónicas sobre o passado. Do ponto de vista da gestão política, entregue a clientelismos partidários e a nepotismos vários. Do ponto de vista dos principais actores políticos, entregue a quem oscila entre os populismos e a pequena política. Nada disto contribui para um desígnio nacional de que o país tanto necessita. Não há neste quotidiano político, nem houve neste mandato presidencial, uma palavra sobre a construção do futuro; e não digo futuro como uma construção idílica e ideológica, mas futuro como lugar de esperança, dependente das escolhas e das prioridades presentes. Os muitos que viverão em paz com a sua recondução sem aspirarem a mais coisa alguma, não deixam de confirmar essa falta de ambição, marca indelével de portugalidade.

Há, porém, ainda nesta avaliação, uma coisa que importa perguntar: se devemos aceitar a tese de que um presidente de direita deve agradar à esquerda para poder manter-se no lugar, e assim ser o presidente de todos os portugueses, então porque razão a esquerda não se lembra de fazer o mesmo quando elege um presidente? Eu sei, eu sei, que é preciso recuar 20 anos para nos lembrarmos da última vitória presidencial da esquerda e a memória pode não estar fresca, mas a verdade é que nunca foi assim.  Da resposta a esta questão surge uma inquietação: se nos deslumbramos com estes taticismos do Professor Marcelo e do Dr. Costa, e do quão astutos a narrativa oficial no-los confirmam, não sei porque razão nos surpreendemos depois quando a política está tão malvista.

Tudo avaliado, a sua classificação não é melhor que 11 valores sujeito a exame, até porque como Marcelo sabe, na sua alma mater é preciso 14 para seguir para Mestrado. Em síntese, dando para passar, não é extraordinário. Porém, na ausência de alguém com um projecto político nacional com firme amor à liberdade, propósito reformista, prática norteada pela sensatez, respeito pela cultura e defesa intransigente da sociedade aberta, Marcelo, com esta classificação, continua a ser, pasme-se!, o melhor da turma. Pelo menos até ver.