O que nos une é ter um melhor Estado, seja ele mínimo ou máximo. O que nos une é ter um Estado que garanta a nossa segurança interna e externa, a administração da Justiça, que promova a igualdade e que nos apoie na doença, no desemprego e na velhice. As funções de soberania e sociais do Estado são, para a maioria dos portugueses, indiscutíveis. Pelo que tem sido a história das nossas eleições, as escolhas só se separam quando debatemos se deve ou não existir saúde e educação também garantidas pelo sector privado e se o Estado deve ter uma presença maior ou até total nas empresas. Mas quer os que defendem o Estado mínimo como os que advogam o Estado máximo são unânimes num ponto: o Estado tem de ser forte.

Apesar da unanimidade, o objectivo de ter um Estado forte tem-se revelado como um dos nossos maiores fracassos. A nossa história recente tem-nos revelado um Estado capturado por todo o tipo de interesses, dos partidários aos empresariais, e cada vez mais desqualificado. E mesmo as entidades independentes que deviam ser imunes a estas influências, têm-se revelado, no mínimo, ausentes ou coniventes. Como a Justiça integra também este Estado fraco, chegamos aqui, ao incêndio de Pedrogão Grande que matou 64 pessoas. Já tínhamos tido vários avisos.

A tragédia de Pedrogão expôs de forma dramática o edifício de um Estado que foi sendo construído em cima de interesses que unem o bloco central. Vários têm sido os governantes ou especialistas que deram o seu testemunho sobre uma das falhas que até agora parece ter sido central no que se passou: o SIRESP, acrónimo da rede que garante as comunicações em situação de emergência. Destacam-se aqui dois, “SIRESP: o país numa rede de interesses”, do economista e ex-secretário de Estado Adjunto da Administração Interna Fernando Alexandre e “A história do SIRESP em números” de Joaquim Miranda Sarmento que conhece profundamente as Parcerias Público-Privadas.

A estrutura accionista do SIRESP fala por si. Está lá o “bloco central dos interesses”, designadamente a SLN, accionista do BPN que levou à falência, a PT e o Grupo Espírito Santo. A absoluta inexistência de fiscalização é ainda exposta neste texto sobre a posição do Tribunal de Contas. O visto prévio é dado recomendado que para a próxima se acautelem os interesses do Estado.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Estamos perante o exemplo mais dramático de como funcionam os negócios que envolvem o Estado, numa total impunidade e sem que as mais variadas instituições, do Parlamento aos tribunais, dos partidos às entidades reguladoras, consigam impedir uma actuação contrária à defesa do interesse público. E este é ainda um negócio que atravessa três governos, começa com o PS de António Guterres, é concluído já em gestão com o PSD, de Pedro Santana Lopes e de Daniel Sanches ministro da Administração Interna e é revertido e mantido com menos serviços com o PS de José Sócrates e António Costa como ministro da Administração Interna.

Lamentavelmente foi preciso o país ver pessoas a morrerem, porque ninguém as acudiu ou porque ninguém fechou uma estrada a tempo, para se perceber a gravidade dos efeitos destes negócios ditados pelos interesses privados gananciosos, que não olham a meios para atingir os fins, sem que ninguém no aparelho do Estado ou no universo político seja capaz de se opor a eles. Sempre com o PS e o PSD envolvidos. Por isso é que um governo de Bloco Central, parecendo uma boa ideia para reformar o país, é afinal uma péssima ideia, capaz de potenciar estes maus exemplos e condenar-nos ainda mais ao subdesenvolvimento.

Na banca, e em sectores como o da construção, testemunhámos isso até à exaustão, com negócios que levaram o Estado à ruína, mascarados de interesse nacional ou interesse público ou objectivos de desenvolvimento que apenas nos empobreceram. Continuamos a assistir a essa auto-protecção do regime quando se impede que se conheçam os grandes devedores da CGD. Mas há mais. Há empresas cotadas que extraem dinheiro das empresas com esquemas de fornecimento por parte de empresas que pertencem aos próprios accionistas de referência; há o caso da energia onde se acumulou uma dívida à EDP por falta de coragem de governantes e da entidade reguladora; há os salários milionários num país pobre justificado com a mais-valia que esses gestores dão a empresas que são basicamente monopólios; há a sucessiva partidarização da administração pública; há as prioridades completamente invertidas dos protagonistas políticos, com obras de fachada que agora tão bem vemos com o aproximar das eleições autárquicas porque, dizem, é isso que o eleitor quer; há mil e uma leis que são feitas para serem anunciadas e depois nunca cumpridas, como também se viu agora com o incêndio de Pedrogão Grande.

Não é um Estado destes que nós queremos, quer os que defendem um Estado máximo como os que querem um Estado mínimo. O Estado máximo ou mínimo tem de ser forte e organizado, como o nosso Estado aprendeu bem na administração fiscal. Só um Estado forte que persegue o interesse público e que não se deixa capturar é que nos pode garantir o desenvolvimento e a própria democracia.