Será que a simpatia pela Ucrânia invadida nos leva a ignorar as dificuldades no campo militar ou na sua adesão à União Europeia e à NATO? São perguntas legítimas, colocadas por Daniel Oliveira, num bom texto com um mau título, que vale a pena discutir.

Tomar partido e analisar com rigor

Há muitos fenómenos complexos e distantes na política internacional, em relação aos quais é difícil ou faz pouco sentido tomar posição. Mas entre a Ucrânia agredida e a Rússia agressora não tenho dúvidas em tomar partido, aliás, o Daniel Oliveira também não, o que não nos impede de tentar fazer uma análise desapaixonada. Tanto mais quanto o risco de regresso ao Mundo anterior a 1945, em que apenas o poder militar interessava e os grandes impérios conquistavam e anexam formalmente o território dos mais fracos não será uma receita para a paz, o desenvolvimento ou a segurança da maioria dos países, desde logo de Portugal. Não preciso de esconder a minha posição, como os que se envergonham de declarar as suas simpatias pela Rússia de Putin. Também não necessito de procurar falsas equivalências para mostrar o rigor da minha análise.

Fui claro: uma guerra real é diferente de um filme de guerra de Hollywood, e por isso uma vitória justa não é uma vitória garantida. Sublinhei que a história mostra que numa guerra de trincheiras o impasse é o estado normal de coisas. Destaquei que uma ofensiva como a que a Ucrânia está fazer, com ataques frontais, sem domínio aéreo, contra linhas defensivas bem preparadas é das operações militares mais custosas e difíceis. Também tenho chamado a atenção para as dificuldades da adesão de um país tão grande e tão pobre como a Ucrânia à União Europeia. Há problemas de redistribuição de poder, de eficaz reorganização das instituições europeias, de orçamento. Há problemas e desafios específicos para Portugal em termos de uma nova perda de peso relativo, possível perda de fundos e uma reorientação da UE mais para Leste.

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Nem guerra, nem paz fáceis

Não há uma via fácil e garantida para a vitória ucraniana, e não é plausível a adesão rápida e sem problemas à União Europeia, ou à NATO. Ignorar estes problemas gerará expectativas irrealistas e aumenta a probabilidade de conflitos sérios entre aliados cuja coesão é essencial para fazer frente à Rússia. Por outro lado, se se quer discutir de forma séria esta questão, definidora da futura ordem regional e global, temos de reconhecer que também não existem alternativas pacíficas fáceis e de sucesso garantido. Não vi até ao momento uma proposta minimamente credível de uma paz durável com a Rússia governada por Putin. Porque é que desta vez o líder do Kremlin irá procurar um real compromisso como um país que ele diz que não existe e com um governo que desqualifica como nazi? Porque é que as partes irão implementar de boa fé um acordo, quando a hostilidade e a desconfiança entre elas nunca foram tão grandes? Claro que se Trump, ou alguém parecido, ocupar a Casa Branca, a partir de 20 de Janeiro de 2025, ou se alguns países europeus chave, como a Alemanha ou a França, se cansarem do apoio à Ucrânia, Kiev poderá ficar perigosamente isolada. Mas isso não é inevitável. E, sejamos claros, uma paz a qualquer preço, o abandono da Ucrânia num limbo resultaria numa Europa mais instável e num Mundo mais perigoso. Provavelmente encorajaria novas guerras de conquista, novos ataques, híbridos e não só.

Termos chegado a este ponto não é um sinal de fracasso ucraniano ou da inutilidade do apoio ocidental. Não significa que seja um erro ajudar um país agredido a defender-se, ou travar uma potência agressiva na vizinhança. É extraordinário o que os ucranianos fizeram com o seu heroísmo tornado mais eficaz pela ajuda militar ocidental. Travaram uma invasão russa que muitos consideraram imparável por um adversário muito superior em equipamento militar, população, território e recursos. Recordemos que Ucrânia recuperou cerca de 50% do território inicialmente ocupado.

O que fazer?

Infelizmente para a Ucrânia a única paz realista nas circunstâncias atuais é uma paz fortemente armada. Para isso é fundamental consolidar o apoio militar ocidental a um nível sustentável. A Ucrânia precisa de armas para continuar a defender-se da agressão russa enquanto ela durar. Elas também são fundamentais para poder vir a negociar numa posição de força, bem como para dissuadir novas agressões russas. Precisamos de desenvolver a indústria militar europeia e ucraniana por forma a transformar uma necessidade custosa, num Mundo mais perigoso e instável, também numa oportunidade económica. Para o investimento em defesa ser sustentável é fundamental ser fonte de investimento em empresas, empregos e inovação nas economias nacionais. Na Europa isso implicará parcerias, como Portugal fez com sucesso com o Brasil para o avião de transporte militar KC-390. Isto é fundamental para dar tempo para se criarem melhores condições para a Ucrânia poder vir a aderir à NATO e à UE.

A posição que melhor serve Portugal neste momento é defender que a Ucrânia deve primeiro aderir à Aliança Atlântica – com alguns esclarecimentos quanto à aplicação do artigo 5 – e a adesão à UE não pode ser precipitada. Foi aliás este o padrão no resto do Leste: primeiro NATO, depois UE. A UE não vai fazer da Ucrânia um país mais seguro se continuar fora da Aliança Atlântica. Até lá, vale a pena notar que 81% portugueses apoiam a adesão da Ucrânia à UE e 78% à NATO. Isto segundo uma sondagem recente, no âmbito das sempre úteis Transatlantic Trends do German Marshall Fund, com apoio da FLAD. Esperemos que seja por uma questão de princípio, não porque pensam que os custos e as consequências serão para outros, não para Portugal.