Uma iniciativa escolar sobre orientações sexuais gerou uma polémica que escalou ao debate político nestes últimos dias. De um lado, Bruno Vitorino (deputado do PSD) denunciou em termos particularmente violentos aquilo que considerou ser “perverso” e uma “vergonha”: uma sessão no Agrupamento de Escolas de Santo André para alunos dos 6.º e 8.º anos, organizada por uma Associação LGBTI, que visava “promover a igualdade de género” e “sensibilizar os alunos para as diferentes orientações sexuais”. Do outro lado, Joana Mortágua e Sandra Cunha (deputadas do BE) apresentaram queixa na CIG contra o deputado do PSD, acusando-o de declarações discriminatórias. Perante isto, há que constatar o seguinte: como (quase) sempre acontece, a introdução na escola destes temas – complexos e sensíveis, mas necessários – foi discutida em termos de instrumentalização e aproveitamento político. E, inevitavelmente, ambos os lados erraram o alvo.

Por mais que isso possa custar aceitar, a iniciativa da escola é inatacável. Isto porque se limitou a cumprir os referenciais do Ministério da Educação, que incluem os temas da igualdade de género e de sensibilização (leia-se aceitação e tolerância) da diversidade de orientações sexuais. É particularmente o caso do referencial da Educação para a Saúde (2017), cujo Capítulo “Afectos e Educação para a Sexualidade” tem um subtema “Identidade e Género” (cf. página 74) focado nos assuntos que a sessão iria cobrir. Esse referencial está alinhado com o Plano Nacional para a Igualdade de Género, Cidadania e Não-Discriminação 2014-2017 e com a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (2017), esta última que coloca a Sexualidade como um dos temas obrigatórios em dois dos três ciclos do ensino básico. Ou seja, ao contrário do que muita gente possa pensar, a opção de abordar estes temas não deriva de uma inclinação activista ou ideológica (da escola e dos professores). Os temas fazem parte do currículo – porque é mesmo a única forma de levar estes temas aos jovens que, de outra forma, não lhes teriam acesso. E, como tal, têm vindo a ser trabalhados desde há vários anos pelos serviços do Ministério da Educação e, quando necessário, em conjunto com outras áreas da administração pública. Numa frase: estes temas estão devidamente enquadrados para não se ultrapassarem linhas vermelhas, em que “sensibilizar” passa a ser “doutrinar”.

Existe o risco de serem, mesmo assim, ultrapassadas essas linhas vermelhas? Como em todos os temas sensíveis, é certo que sim e compete aos professores assegurarem o alinhamento das iniciativas escolares com os referenciais. Mas esse risco existirá sempre num contexto de autonomia escolar, sobretudo quando participam organizações da sociedade civil – e não se resolve excluindo determinadas associações por via da sua identidade ser mais ou menos favorável a determinada agenda. Ora, se sensibilizar não é doutrinar, e garantida a diferença pela escola, não dá para contestar a validade de convidar, para uma sessão sobre estes temas, uma associação especializada em iniciativas cívicas de combate à discriminação sexual.

Não é de hoje que a abordagem da sexualidade em contexto escolar se tornou área fértil de polémicas. Mas, longe das polémicas, o ponto de equilíbrio alcançado, e que vigora nos referenciais, é particularmente ponderado: ao colocar o foco no conhecimento, aceitação e tolerância para com a diferença de orientações sexuais, o tema entrou no domínio da cidadania – e isso não interfere com o direito de os pais educarem os seus filhos de acordo com os seus valores, porque a tolerância é um pilar de uma sociedade livre e aberta. De resto, a prática habitual para evitar tensões (e que neste caso foi cumprida) é a escola questionar se os pais autorizam (ou não) a participação dos seus filhos nestas sessões.

As críticas do deputado Bruno Vitorino são, por isso, deslocadas – ignoram o enquadramento existente e tratam injustamente a sessão em causa como uma acção de doutrinação. Mas não foram, em momento algum, declarações discriminatórias contra homossexuais, como sugeriram as deputadas do BE, que logo anunciaram queixa contra ele à Comissão de Igualdade de Género – um acto que mais não passa de um número mediático, na medida em que não há matéria para avaliar nem, caso houvesse, a CIG tem poderes para punir o deputado do PSD. A conclusão é triste, mas é a possível: a escola continua a ser vítima privilegiada das agendas políticas (de ambos os lados), que tentam através dela impor a sua visão do mundo. Uma visão geralmente ignorante e persecutória, como aliás o BE não perde uma oportunidade para evidenciar: incapaz de resistir à censura social de quem de si discorda.

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