Didi é o protagonista de uma história de acolhimento. Entre o abandono das crianças rejeitadas pelos progenitores, ou que lhes são retiradas porque os seus pais não têm condições para as criar, e a adopção, surgiu agora esta nova modalidade. Enquanto uma criança espera por ser recebida numa família que a adopte, ou enquanto a sua família natural não tem condições para a receber, é possível integrá-la numa família de acolhimento, de que fica a fazer parte até que se resolva o seu destino definitivo.

Graças às famílias de acolhimento, muitas crianças que, de outro modo, estariam institucionalizadas, conhecem o calor de um lar, vivendo o amor de uma família, que é, de facto, sua. Ainda que seja provisoriamente, podem disfrutar do carinho de uns pais e irmãos, previamente selecionados para este efeito. Embora sejam relevantes as condições materiais, o mais importante é, obviamente, a disponibilidade para receber e amar uma criança, garantindo que vai ser bem tratada durante o tempo da sua estadia.

Se, para a criança, o acolhimento é uma grande bênção, também o é para os que vão fazer as vezes de seus pais e irmãos. Mas é, igualmente, um grande desafio. Enquanto os recém-nascidos são mais exigentes, por razão das necessidades inerentes à sua pouca idade, as crianças com alguns anos já têm atitudes e comportamentos que nem sempre coincidem com os da família de acolhimento e que, por isso, são desafiantes. Nestes casos, é preciso que todos, desde a criança acolhida aos pais e irmãos de acolhimento, colaborem no processo da sua integração, que requer muita compreensão e carinho.

Quando uma pequenita, de uns dez anos, aterrou numa numerosa família de acolhimento, não foi fácil que cumprisse as regras básicas da boa educação, que desconhecia totalmente. Um exemplo: a meio da refeição, quando todos estavam à mesa, era capaz de se levantar, sem nenhuma razão, nem a necessária aquiescência dos pais. Mas estes, ante comportamentos desta natureza, em vez de lhe ralharem, pediam a algum filho mais velho que a fosse chamar, explicando-lhe que, durante a refeição, ninguém se levanta ou sai da mesa sem autorização. E assim, pouco a pouco, a criança foi-se naturalmente integrando na sua nova família. Para este efeito, é importante que os pais e irmãos do menor acolhido o tratem, respectivamente, como mais um filho ou irmão.

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Se é preciso uma grande generosidade para acolher uma criança nestas condições, não é menos heróico o momento de aceitar o regresso à sua família de origem, ou da sua entrega à família que a vai adoptar definitivamente. Esta disponibilidade é dolorosa, como testemunhou, em termos comovedores, a ‘mãe’ de acolhimento do Didi que, de facto, o adoptou durante os seus primeiros seis meses de vida.

“Didi. Chegou a esta casa com 10 dias, o nosso D. Embarcámos nesta aventura de sermos família de acolhimento, com vontade de abraçar todas as crianças do mundo. Ele chegou quase sem pré-aviso, frágil, com uma mão cheia de nada, nem sequer uma roupinha sua que lhe servisse… mas, afinal, chegou com tudo, pois a vida que trazia encheu a nossa casa e as nossas vidas. Essa vida que Deus lhe deu e que a mãe que o carregou 9 meses preservou e, por razões que desconhecemos, não pôde cuidar.

“O D chegou com um olhar atento e curioso, fixado bem cá dentro de nós, que atravessava a carapaça do nosso sorriso fácil… a sua vida misturou-se com as nossas e, sem sabermos como, parecia que já cá estava desde sempre…

“Agora, já com 6 meses, o D foi para a família que esperou por ele anos, que pacientemente e de coração aberto nunca quiseram desistir desse projecto de dar um nome e uma vida a outra vida! E que vida esta!

“Connosco fica a certeza do dever cumprido, de o termos abraçado em família quando ele mais precisava. Fica também a certeza do bom que é ter mais família e amigos! Foi mesmo uma aldeia inteira que acolheu o D! Foi nesta aldeia que os nossos filhos aprenderam a dar amor ao pequeno D, sem esperar nada em troca, a cuidar sem olhar a meios, a abraçar de forma gratuita e generosa.

“Fica a certeza que Deus pôs o D na nossa vida, para que o soubéssemos amar e cuidar, soubéssemos que no coração do homem cabe sempre mais e mais, nessa sede de chegar mais além… mas que só Ele é capaz de preencher em plenitude… mas também foi para que aprendêssemos também a largá-lo, a entregá-lo, como prova de que nada é nosso para sempre, tudo é de passagem…

“Custa… claro que custa! Um aperto cá dentro que sufoca às vezes… saudades imensas, até das noites mal dormidas… daquele sorriso lindo de carinha cheia no meio dos seus caracóis … de ver o berço sempre ali, e que agora voltou a ser arrumado… de termos de pensar sempre nele antes de encaixar todos os outros planos da família…

“O D leva consigo um pedaço do nosso coração ainda a palpitar, e não conseguimos saber ainda como será viver assim sem ele… Mas sabemos que teremos a graça de o voltar a ver e acompanhar na sua nova vida, e isso dá-nos forças para nos mantermos nesta missão.

“Obrigada a todos os que passaram pela vida do D, pelo vosso carinho e amizade. Obrigada D por teres iluminado a nossa vida, por seres ‘a pessoa mais querida’ que o Lourenço já conheceu. Estaremos sempre aqui, com os braços bem abertos, para te abraçar. Até sempre!”

Só uma família que se reconhece n’Aquele que é amor (1Jo 4, 8), se atreve a fazer esta experiência de verdadeira caridade. Poucos são os pais que são capazes de uma tal dádiva, absolutamente desinteressada e sofrida. Numa sociedade impiedosa, que maltrata e mata tantas crianças, até antes de nascerem, o exemplo das famílias de acolhimento é como uma estrela a iluminar a noite fria de Natal. Porque, para um cristão, uma criança, qualquer que seja a sua idade ou religião, raça ou etnia é, sempre, Jesus.