Ao longo da vida, trabalhei em diversos contextos empresariais. Fiz estágio de advocacia numa comarca do norte do país, fora dos grandes centros urbanos, consultoria fiscal numa “Big Four” (à época “Big Five”), carreira desde técnico a diretor em bancos, vivi, estudei e trabalhei em diversos países. Aos 37 anos, mudei radicalmente de vida, fui gestor público, onde liderei processos de reestruturação, e gestor privado, apoiando empresas tecnológicas no seu crescimento. Há alguns anos atrás, assumindo que os “quarentas” poderiam ser os novos “vintes”, assumi um novo recomeço e decidi fundar os meus próprios negócios: desde essa altura ganhei consciência plena de que tudo o que tinha aprendido e aplicado até aí, nas minhas experiências anteriores, servia de base de ensaio para o que estava a construir, mas que seria um erro reproduzir mimeticamente as soluções de um passado, até recente, em empresas que procuram projetar-se no futuro. E porquê? Porque o mundo está a mudar, de uma forma drástica, convidando empresários e gestores a repensarem sem demasiados “pré-conceitos” a abordagem aos seus negócios.

Desde logo, a experiência de cliente mudou drasticamente, obrigando-nos a adaptar significativamente a oferta de produtos e serviços para acompanhar as oportunidades. Alterou-se também o ambiente tecnológico, razão pela qual a forma como se produz, distribui, promove e comunica conduziu a transformações significativas nas operações empresariais.

A modificação, porém, mais difícil de acompanhar e compreender tem lugar ao nível das pessoas e das suas aspirações. As mudanças e as revoluções implicaram sempre, num primeiro momento, impactos ao nível da produção. A consolidação das tecnologias traz consigo, anos depois, alterações significativas no contexto cultural, nos hábitos, nos valores, nas prioridades, na morfologia das cidades, nas casas, no espaço público, no lazer, nas relações pessoais. Foi assim nas várias revoluções industriais operadas nos séculos anteriores, não há razão para que tal não volte a acontecer, naquela que é a primeira revolução que tem por base a forma como nos relacionamos com a informação. É, portanto, fundamental que todos os que exercemos funções de liderança sejamos capazes de acompanhar as mudanças de um mundo em acelerada mutação, estando atentos aos sinais que nos são dados por aqueles a quem está destinado o futuro.

Sinto na minha atividade diária uma saudável pressão para a descoberta; trabalhando sobretudo com pessoas nascidas depois de 1992 (algumas delas, nascidas já depois da viragem do milénio), procuro ter abertura de espírito para, nem sempre compreendo o sentido último de várias mudanças, me adaptar ao que são hoje as novas regras de um jogo, onde, se quero jogar, não posso querer ser dono de todas elas.

É quase um cliché da gestão dizer que hoje as novas gerações procuram empresas e profissões que, para além da componente material e realização intelectual, lhes acrescentem um propósito e um sentido maiores, de compromisso e responsabilidade social, oferecendo às suas pessoas algo que seja diferenciador ou quase único. Já não temos trabalhadores, nem colaboradores, passamos a ter pessoas que querem ser vistas e tratadas enquanto tal, nas suas especificidades, valências, potencial e até fragilidades, nas suas aspirações, que ultrapassam a mera relação laboral. A empresa passou a ser um local de realização pessoal onde as pessoas se projetam e aspiram, estruturam as suas vidas e constroem a sua identidade. A empresa deixou de ser um local físico para onde as pessoas se deslocam, sendo o trabalho híbrido uma realidade incontornável em inúmeras funções e profissões. As pessoas passaram, também por isso, a ter mais dificuldade em separar o universo pessoal do profissional, esperando que as empresas conheçam e compreendam as vicissitudes das suas vidas, e as acomodem na profissão. Pede-se e exige-se responsabilidade e uma organização da produção que ajuste coordenação e trabalho em equipa com autonomia e flexibilidade, em ambientes laborais crescentemente desmaterializados e descentralizados, onde a tecnologia funciona como elemento agregador e integrador do que, outrora, conhecíamos por “espaço físico”. Mais do que centros de competências, as empresas passam a ter de ser centros de conhecimento aplicado, onde é necessário trabalhar em permanência a evolução pessoal. O crescimento, porém, não se limita aos aspetos meramente da relação de produção, sendo-nos exigido que facultemos possibilidades de desenvolvimento pessoal e realização de aspetos da vida que, até hoje, pensávamos que deveriam ficar à porta da empresa. As novas gerações querem poder incluir no contexto empresarial projetos em contexto social, de “propósito partilhado”, e esperam que a empresa os apoie nessas realizações. Contam, ainda, com a empresa para os apoiar nas dificuldades das suas vidas, e valorizam a compreensão e tolerância para algumas das suas fragilidades ou dificuldades momentâneas ou “de percurso”.

Não está em causa discutir se concordamos ou não com esta cosmovisão. Ela está aí, afirmada e a condicionar já as empresas que não estão a saber adaptar-se. Não faltam, hoje, funções por ocupar, ou problemas de desempenho ou retenção de valor por ausência de alinhamento entre quem emprega e quem está empregado. Mas não basta que o mundo empresarial se adapte. As mudanças no mundo empresarial e a forma como as empresas são hoje convidadas a cumprir diversos papéis e responsabilidades obrigam a que o próprio Estado repense soluções previdenciais, legislação laboral, urbanismo, transportes e mobilidade, ensino superior, e o modo até como se assume como empregador e prestador. Os próximos anos serão, por isso, também um desafio para políticos, governantes e legisladores, no sentido de mostrarem às novas gerações que são capazes de, com abertura de espírito e sem “pré-conceitos”, acompanharem as suas aspirações, renegociando o contrato social e consolidando a coesão social.

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