Escrevo nos jornais quase ininterruptamente há mais de 60 anos sem nunca exercer a profissão de jornalista. Escrevi sobre inúmeros assuntos, desde a arte e a cultura até à história contemporânea e à sociologia, intervindo mais recentemente no debate político-partidário. Há algum tempo, comecei a intervir sobre as questões da saúde e do envelhecimento, que estudo há 20 anos e, a partir de certa altura, já me tocam pessoalmente. Calculando por alto, terei publicado um mínimo de mil artigos de jornal. Contudo, na esmagadora maioria dos casos, escrevi sempre de fora para dentro, isto é, como observador sem envolvimento pessoal no assunto e, quando estava envolvido, só lhe dei um papel meramente informativo.

Neste sentido, o artigo de hoje é especial. Com efeito, estou a escrever sem poder esquecer que faço parte do escalão etário com piores expectativas estatísticas perante o ataque do coronavírus e a débil tentativa de resposta do governo. Daí que seja lícito pensar que as minhas conclusões podem estar inquinadas pelo meu caso pessoal. Contudo, trabalhei bastante com estatísticas sócio-demográficas, o que me faz pensar que estas permitem quantificar e interpretar com rigor muitas das propriedades das pessoas, bem como uma boa parte das suas atitudes e comportamentos, conseguindo-se mesmo observar e explicar atitudes e comportamentos que não correspondem a outros tipos de observação dos mesmos factos… Há muitos exemplos flagrantes desse tipo de situações que não desvalorizam os dados estatísticos, antes pelo contrário!

Assim, após 24 dias de ataque viral em Portugal com um atraso de mais de 3 meses em relação à China e com a gradual sucessão de grande número de países, três dos quais próximos de nós do ponto de vista sócio-cultural (a Itália, a França e a Espanha), é lícito pensar que o resultado final da pandemia – o que só acontecerá quando for encontrada uma vacina – variará de país para país segundo uma «forquilha» que depende das autoridades responsáveis pela luta contra o vírus. Essa «forquilha» situar-se-á entre o número de testes feitos e os recursos humanos e materiais colocados ao dispor dos profissionais de saúde. A letalidade final do processo será indicada pela proporção dos óbitos relativamente ao número de pessoas contaminadas, quer tenham sido «testadas» ou não, como já sucedeu em lares de idosos no estrangeiro…

Neste momento ainda inicial do nosso processo pandémico, a taxa de letalidade é de 1% mas não irá manter-se, sobretudo se os testes não forem reduzidos por motivos económicos, como sucede também com a falta de instrumentos de protecção e de tratamento, para não falar da exaustão dos profissionais de saúde. Pelo seu lado, estudiosos com diferentes bases teóricas têm vindo a calcular quanto tempo a «curva» dos novos casos diários continuará a subir até estabilizar e começar a baixar até se extinguir, o que nem na China aconteceu ainda, embora a pandemia tenha começado no início de Dezembro de 2019, três meses antes de chegar a Portugal, onde a percentagem diária de crescimento desde 1 de Março tem sido comparativamente lenta.

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Entretanto, entre nós, é irrecusável um sentimento de falta de organização e de meios de combate devido à forma pretensamente «optimista» como têm agido os principais responsáveis pela resposta do Estado. Assim tem continuado a ser desde o encerramento das escolas e da proclamação do «estado de emergência» há uma semana, transformando a crise sanitária numa crise política que o PM tenta varrer para debaixo do tapete mas que se prolongará até às eleições do ano que vem, a começar pela eleição presidencial daqui a dez meses.

É assim que funciona a velha política instalada depois do 25 de Abril. A sua doença mortal é a «partidarite», isto é, a captura da democracia pelos profissionais do familismo partidário denunciada há mais de 100 anos e a cujos captores Max Weber chamava «políticos profissionais sem vocação», isto é, sem visão política. Basta ler a literatura da actual «esquerda intelectual» para nos darmos conta da desforra que esta pretende promover contra o capitalismo liberal graças ao caos provocado pela pandemia.

A internet, à qual a maior parte de nós se acolheu em casa, seria o instrumento dessa «revolução virtual» que agora reclamam, como se a globalização económica e financeira fosse responsável pela pandemia e pela crise brutal que aí vem. Não é à toa que António Costa, na falta dizer e de fazer algo de substancial sobre o processo pandémico, tal como sucedeu em 2017 com os fogos florestais, anuncia bateladas de «massa» a despejar em cima da crise sem outro proveito senão o de se manter no governo à custa de uma dívida que só baixou cinco pontos percentuais do PIB desde 2015!