Quando pensamos no gesto de dar um beijo relacionamo-lo diretamente à afetividade e à existência de uma ligação especial entre duas pessoas, contudo há dois tipos de beijo que apresentam significados distintos.

Desde o simples beijo no rosto, muito característico dos povos latinos, que simboliza o respeito e carinho entre as pessoas, sendo por isso normalmente utilizado entre família e amigos, ao beijo na boca, com um simbolismo mais carregado e relacionado com o amor e a paixão.

Contextualizando com a situação que está gerar polémica, estamos perante duas pessoas que estão numa celebração única e, por isso, extasiados, no entanto estamos também perante uma diferença de posição na hierarquia do futebol espanhol, onde Rubiales é presidente da federação e portanto está nas camadas superiores e Hermoso, enquanto jogadora, está numa das camadas inferiores, inclusivamente dependente de decisões do treinador que, em teoria, é selecionado, por isso pode ser condicionado pelo presidente da federação.

Perante um diferendo laboral, onde parece existir uma situação de assédio, na minha opinião devemos partir sempre para a defesa do trabalhador que está numa posição hierárquica inferior e, assim, defender a jogadora Hermoso.

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Atendendo às posições tomadas por organismos e atores desportivos, observamos que a FIFA avançou com uma suspensão do presidente da federação por 90 dias, pelo que, de forma provisória, procura meter alguma água na fervura e acalmar os ânimos, contudo é apenas uma medida provisória e será de aguardar algo mais definitivo, nomeadamente a decisão do processo disciplinar que foi instaurado ao presidente da federação e que deveria resultar na retirada de cargo.

Relativamente aos atores desportivos parecem unânimes no apoio a Hermoso. Acredito que a atitude de dezenas de jogadoras, que podiam ser convocadas para a seleção e o recusam enquanto o presidente se mantiver em funções, deve ser um indicador expressivo de que está na altura de mudar a estrutura da federação espanhola de futebol, incluindo o presidente polémico, até porque o mesmo foi aplaudido aquando da sua conferência onde afirmou veemente que não iria demitir-se.

Outras possibilidades em cima da mesa passam por uma atitude mais firme dos responsáveis do governo pelo desporto que podem forçar Rubiales a abdicar do lugar, independentemente do que ele tenha dito anteriormente, ou eventualmente avançar para um despedimento por justa causa, visto que há evidências concretas de que o beijo aconteceu.

Concluindo, o beijo foi impróprio e não me parece que possa existir qualquer argumento defensivo da atitude do presidente da federação, uma vez que o beijo cultural dos povos latinos é dado no rosto e não na boca, sendo o significado de cada um deles bastante diferente. Também me parece bastante despropositada a reação do presidente, em particular na conferência onde foi demasiado veemente na recusa da sua demissão.

Finalmente, deixa-me incrédulo a inação dos responsáveis da federação portuguesa de futebol que, estando numa posição de candidatura conjunta à organização do mundial de 2030, deveriam ter sido prementes a condenar o ato e inclusivamente deveria ser ponderada a possibilidade de excluir a candidatura conjunta com Espanha.