Sempre achei fascinante que, a determinada altura, um GPS garanta que chegámos ao nosso destino. A forma como introduzimos as coordenadas do destino e as alteramos, sempre que nos apetece, é apetitosa. Não fosse a palavra destino não ter boa fama, e isso de termos tantos destinos quantos aqueles que se deseja dá-nos um argumento contra a fatalidade que nos faz supor, um ror de vezes, que qualquer transformação que queiramos trazer à nossa vida será inconsequente. Porque temos o destino “marcado”! Como se o destino fosse um presságio que nos marca à nascença. E nos separa entre aqueles que nascem com o rabo virado para a lua e os outros que nascem a olhar para ela. Ou, entre aqueles que nasceram para sofrer e os outros — bafejados por uma escolha divina, difícil de entender — que têm sorte. Ao contrário dos mais generosos ideais políticos, esclareça-se, quando defendem que cada Homem, quando nasce, é livre e é igual. Mas o destino não deixa. O destino é daquelas coisas que, mesmo quando não somos supersticiosos por aí além, nos dá azar. Ou, visto doutra forma, que nos leva a supor que o destino e o azar mantêm uma parceria de sucesso.

Seja como for, em matéria de destino, nós, os portugueses, somos bons. Prova disso é a forma como fizemos da saudade a nossa imagem de marca. A saudade será aquilo que fica quando o destino manda no jogo. Tudo podia ter terminado doutra forma… não fosse o destino. Ou, não fosse o azar, e seríamos os melhores entre os melhores. A saudade como sucedâneo do destino (e, já agora, “a volta dos tristes”, ao domingo) não é propriamente do que há de mais arrebatador no amor pela vida. É qualquer coisa da ordem de grandeza de: “Ó tempo, volta para trás”. A saudade é um suspiro depressivo. Que sugere que crescer será sempre um afastamento daquilo que é bom, bonito e alegre. E supõe que se cresce para pior. Por outras palavras, que não há como fugir ao destino. À escala do futebol, isso foi alimentando um lado fatalista que nos tornou nuns verdadeiros campeões das vitórias morais. Considerando o destino e o futebol, as coisas punham-se assim: nós éramos bons de bola mas, no final, os alemães eram sempre os campeões. Eram, leram bem. Porque, entretanto, o GPS trocou-nos às voltas. E passámos a mandar “melhorzinho” no nosso destino. Os Descobrimentos já tinham dado um ar da sua graça contra esta ideia de destino. Mas o 25 de Abril e a Expo 98, apaladaram uma nova ideia de “saudade do futuro”. Muitos portugueses reconhecidos pelo mundo e muitos títulos de campeões nas mais mais diversas modalidades desportivas, igualmente. E a forma como temos resistido ao populismo e à desumanidade dos tempos que correm, também. Virando tudo do avesso, isso quer dizer que quando puxamos pela cabeça, nos entregamos com alma aquilo em que acreditamos e trabalhamos, de forma árdua, o destino tem os dias contados.

Mas se o destino só de si já me incomoda — porque, à conta dele, não trabalhamos tanto para nos transformarmos e para crescermos como era suposto porque o destino é aquilo que todos sabemos — que, a propósito dos craques dos futebol ou dos líderes políticos, se fale de predestinados isso já me põem em sentido! Se o céu for o lugar onde se traça o destino, e o céu ficar depois do infinito, haver quem esteja antes, ainda, do infinito confere a essas pessoas o estatuto — que Deus me perdoe! — de serem Deus em pessoa. Não sei se reparam: se o destino se equipara a um estigma a que não se pode fugir, alguém que esteja antes dele e que lhe troque às voltas, já é do domínio dos super-heróis. Deve ser por isso que tudo o que tenha a ver com o pré-destino tenha qualquer coisa que nos arrebata.

Mas se os predestinados me põem em sentido, quando vejo inúmeros pais definirem os seus filhos como “líderes natos” (o que, por outras palavras, talvez queira dizer que os pais acreditam que eles nasceram para mandar), eu entro em modo de alarme. Não que não seja precioso que existam muitas pessoas que, com a ajuda do GPS ou sem ele, entendam mandar no seu destino. Mas o que me assusta é que nestas coisas de destino e de predestinados tudo pareça ser muito do domínio do “carisma”. Um “Foi Deus que me quis assim!” Que, em relação ao destino, parece supor que “cada um é para o que nasce”. E não tanto que cada um é as escolhas que faz e aquilo que trabalha em função delas. Na verdade, em relação aos “predestinados” para a liderança, o que me incomoda — mesmo! — é a forma como as pessoas parecem privilegiar a sua pretensa condição de super-heróis ao jeito singular como não pensam. Ou o carisma que alguém lhes confere ao modo como não arrebatam os outros pela forma como traduzem os seus pensamentos em palavras, em gestos e em escolhas, nos quais eles se revejam. Na verdade, em relação aos predestinados incomoda-me a forma como eles parecem só precisar dos outros para mandarem neles. O que, quando se esperaria que os predestinados fossem sobredotados, é duma imbecilidade estonteante.

Em resumo: os azares existem; sim. Por mais que — é do senso comum — pareça que a sorte protege os audazes. Agora que passemos a vida a desculpar-nos com o destino quando, na verdade, ora somos medricas ora preguiçosos quando se trata de fazermos escolhas e trabalharmos para elas é que já roça a batotice. Portanto, se me permitem o desabafo, agora que estamos todos a começar um novo ano, o destino que se lixe; sim?… E toca de fazer aquilo que todos fazemos muito bem: puxar pela cabeça, escolher e trabalhar. O “destino” agradece! E, mesmo sem GPS, chegaremos lá.

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