Não, não é verdade que colhamos aquilo que semeámos. Em muitas circunstâncias, será assim. Em muitas outras, não; claro. Às vezes, ganhamos. Às vezes, perdemos. Às vezes, merecemos ganhar. Às vezes, merecíamos perder. Às vezes, somos leais. Doutras vezes, batoteiros. Ganhamos, regra geral, mais do que perdemos. Perdemos, regra geral, mais do que reconhecemos ter perdido. Na maioria das vezes, não sabemos ganhar. E, em grande parte delas, não aprendemos a perder. Os erros, os falhanços e as derrotas ensinam a ganhar. Mas as vezes em que perdemos, merecendo ou não, não fazem parte do “lado certo” da nossa história. Como se uns ganhassem e os outros perdessem. Censuramos as derrotas. Limpamo-las da história! Quando são elas quem mais nos prepara para as vitórias. Não era de reabilitarmos o direito à derrota, se queremos ganhar?

Quantas vezes reconhecemos – diante de nós, da família, dos filhos ou dos amigos – uma derrota? Quase nenhumas. E quantas vezes, à nossa volta – em eleições, no desporto, nos casamentos, com os filhos ou no trabalho – vimos alguém a assumir uma derrota, de forma integra, verdadeira e vertical? Quase nunca. Mas, afinal, quem damos nós a entender aos nossos filhos que são os vencedores: aqueles que erram quase nada e ganham quase sempre, ou os que ganham mais vezes e vão mais longe, porque assumem os erros e aprendem com eles? Não andaremos todos passivamente coniventes com a construção, em série, de “foras de série”, quando os nossos filhos jamais aprenderão a ganhar se não errarem mais vezes e se não aprendem a perder? Não andaremos todos a insistir na tentação de “começar do zero”, em vez de se recomeçar, outra vez, quando “começar do zero” ou “começar de novo” não são, definitivamente, a mesma coisa? (“Começar de novo” supõe que sejamos capazes de nos reconstruirmos sobre os destroços que resultem de uma derrota. “Começar do zero” que escolhemos não aprender com os erros, passando por cima de uma derrota como se ela nunca tivesse existido.) E não passaremos nós a vida a assumir que os vencedores serão mais aqueles que ganham, quando defrontam os outros, do que os que ganham a si próprios, depois de superarem tudo aquilo que sofreram, quando perderam? Mas, afinal, quem são os corajosos: os que fogem das derrotas ou os que as assumem? Aqueles que evitam os desafios, para não se magoarem ou para não correrem o risco de perder, ou os que afrontam os seus medos, com a convicção que as suas vitórias começam aí?

Eu acho que vivemos no tempo dos ataques de pânico. Porque, de tanto trabalharmos para sermos “foras de série” – “quero ser diferente!” devia ser só uma intenção? – não admitimos senão ganhar; sempre. Olhando mais para aquilo que queremos mostrar aos outros que somos capazes de fazer do que para descobrirmos do que somos capazes. Confundindo orgulho com vaidade. (A vaidade é uma vitória sobre os outros. O orgulho uma redenção sobre nós próprios. A vaidade faz dos outros espectadores das nossas vitórias. O orgulho, participantes na superação das nossas derrotas.) Quanto mais alimentamos a vaidade mais estimulamos a cobardia. É mais assim. E é por isso mesmo que, hoje, se cresce mais para a agitação, para a aflição e para o desespero, quando se perde. Ou entre o esmorecimento, o desalento e a desolação, diante do medo de não ganhar. Será que é por aqui que queremos que se cresça? Será que ninguém repara que o pânico só existe porque, no resto do tempo, vamos assumindo, para nós e para os outros, que podemos ser quem não somos que ganhamos à mesma? Será que não fica claro que só nos afundamos no medo de perder o controle quando exageramos, de forma sufocante, no controle sobre tudo aquilo que sentimos? Como se sentimentos como a tristeza, o medo ou a ira, por exemplo, fossem uma derrota? Como se a ideia que sermos, sobretudo, positivos não nos tirasse, até, o privilégio de hesitar? Mas não será aquilo que nos faz balançar entre dois pontos de vista, que concorrem entre si, quem mais nos leva a ganhar, antes, ainda, de escolher? Hesitar não nos empurra para perder. Hesitar é ganhar, ainda, antes de ganhar. Para que, a seguir, sem hesitações, se ganhar ou se perder. Afinal, quanto menos se fala das derrotas como aquilo que nos falta, mais nos damos conta da falta que elas nos fazem!

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