Entre 2011 e 2015, nunca pôde haver boas notícias. Depois de 2013, as exportações aumentaram, o desemprego caiu (de 16,2% em 2013 para 13,9% em 2014), o défice diminuiu, a economia voltou a crescer, o turismo começou a alastrar a Lisboa e ao Porto. Mas ai de quem se mostrasse animado. Eram só “números”. Se o desemprego caía, era porque os desempregados desistiam de procurar emprego. Os jornais e as televisões dispunham então de uma reserva inesgotável de “casos dramáticos” para desmontar as estatísticas. A economia estava destruída, o Estado social tinha acabado. Se Salvador Sobral tivesse ganho a Eurovisão em 2015, teria havido editoriais a lamentar a importância dada a um festival.

Às 16 horas do dia 26 de Novembro de 2015, tudo mudou. Foi quando o governo de António Costa tomou posse, com o apoio parlamentar do PCP e do BE. Nessa mesma hora, sem ser preciso fazer mais nada, Portugal voltou de repente a ter economia e Estado social. Nunca mais houve uma má notícia. A “crise social” desapareceu. Deixou-se de falar de pobreza. Foi possível celebrar, não apenas a queda do desemprego (sem ser preciso lembrar que continua acima de 10%), mas também o aumento das exportações, a diminuição do défice, e o turismo. Os números passaram a reflectir fielmente a alegria das pessoas. Salvador Sobral pôde ganhar a Eurovisão sem receio de contribuir para a “alienação” do povo.

Estes foram os dois regimes noticiosos em que os portugueses viveram na última meia dúzia de anos: entre 2011 e 2015, não podia haver boas notícias, mesmo quando as coisas corriam bem; desde 2015, não pode haver más notícias, mesmo quando as coisas correm mal. Mas dir-me-ão: e qual é o problema de só haver boas notícias? Não é um problema, são dois.

O primeiro problema é que o noticiário cor-de-rosa não é inocente: serviu, até agora, não apenas para conforto do actual governo, mas para riscar da agenda as chamadas “reformas estruturais” – isto é, o projecto de tornar a economia mais competitiva aliviando os constrangimentos e os custos que o Estado gera ao favorecer certas corporações e grupos de interesse. Só a aflição do ajustamento impôs esse tema a uma classe política que nunca o viu com entusiasmo. Mas agora que tudo vai bem, voltou a ser assunto apenas para os observadores internacionais. O predomínio das boas notícias tem sido assim, em primeiro lugar, uma boa notícia para os grupos de interesse instalados. Significa que poderão continuar a usar o poder do Estado para extrair rendas à custa do resto da sociedade. Ora, neste “rentismo” está uma das melhores explicações para a dificuldade dos portugueses em aproveitarem as oportunidades da economia global

O segundo problema está no facto de as boas notícias não serem só portuguesas. Na Europa, boas notícias – crescimento económico, inflação – significam uma maior pressão sobre o BCE para diminuir ou descontinuar a monetarização dos défices, de que Portugal tem vivido. O BCE favoreceu até agora quem se endividou à custa de quem poupou, com o argumento de que era urgente impedir uma reedição da crise de 2010-2011. Mas quanto mais remota parecer essa crise, maior a probabilidade de as vozes dos aforradores – sobretudo dos alemães– chegarem finalmente ao céu de Mario Draghi.

Essa não seria uma boa notícia para Portugal. Porque tudo aquilo que justificava grandes ansiedades antes de 2015 continua aí, debaixo do tapete das boas notícias: a dívida pública (está em 130,4% do PIB quando o governo previa 127,9%), a notação de lixo da república, o baixo potencial de crescimento da economia. Algumas coisas até pioraram, como a taxa de poupança ou a diferença dos juros portugueses em relação aos juros alemães. Entretanto, o turismo e o crédito barato ameaçam fazer outra vez do imobiliário a grande paixão nacional. Que impacto teria em Portugal uma viragem das políticas do BCE? De boa notícia em boa notícia arriscamo-nos a chegar a uma má notícia final.

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