1.  A preocupação de muitos partidos com as consequências das fake news para a democracia seria emocionante, se não fosse absolutamente hipócrita. Vamos recuar bem atrás, ao século passado, nos anos de 1990. Será que o herói dos Democratas norte-americanos se preocupou com a saúde da democracia do seu país quando jurou em directo que não tinha uma relação inapropriada com uma estagiária da Casa Branca? O que diriam hoje as brigadas dos bons costumes sobre o assédio de um político poderoso a uma jovem estagiária? Esta gente só descobriu as fake news quando Trump foi eleito. Clinton era o exemplo do político progressista.

Mas não foi só a esquerda americana a mentir. A direita francesa nunca hesitou em mentir aos franceses. Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy foram mentirosos compulsivos enquanto habitaram o Eliseu. No Reino Unido, durante o referendo sobre a Europa, o UKIP e os Brexiteers do partido Conservadores mentiram sem qualquer vergonha. Boris Jonhson, que conhece muito bem a União Europeia, depois de ter sido correspondente em Bruxelas do Daily Telegraph, mentiu sem qualquer escrúpulo durante toda a campanha.

No nosso país, o partido socialista tem usado a verdade em termos muito económicos e muito selectivos. O único PM socialista que algum dia alcançou uma maioria absoluta, Sócrates, nunca hesitou em mentir em directo aos portugueses. Mentiu sobre tudo: sobre a sua licenciatura, sobre o seu percurso profissional, sobre o modo como ganhou dinheiro, sobre a sua relação com empresas com participações do Estado. Terá Sócrates feito durante a sua vida política alguma coisa que não fosse fake?

Os antigos amigos e antigos camaradas de Sócrates, que nunca notaram a relação especial com a verdade do antigo chefe, e que hoje nos governam, andam agora muito preocupados com as fake news que circulam pelas redes sociais. Apesar dessas preocupações, parece que o actual PS não perdeu os velhos hábitos de ser económico com a verdade.

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Ontem, António Costa afirmou, mais uma vez, que o seu governo acabou com a austeridade. Na verdade, a austeridade acabou na segunda metade de 2014 quando a economia começou a crescer, e assim continuou durante todo o ano de 2015, antes do PS chegar ao governo. O crescimento começou em 2014 e continuou até ao fim do ano passado simplesmente porque o ciclo económico na Europa foi favorável. Agora que está a mudar, a economia portuguesa já começou a arrefecer. O governo não teve qualquer mérito no fim da austeridade. Foi o crescimento económico que permitiu a reposição de salários e de pensões.

Mas apesar do crescimento económico, a verdade é que temos visto cada vez mais países da Europa Central a ultrapassar-nos em termos de riqueza e de desenvolvimento económico. É necessário ter muito descaramento e pouco respeito pela verdade para dizer que o governo quer Portugal a crescer mais do que a média da União Europeia nos próximos dez anos. Um governo de um partido que governou Portugal durante 18 dos últimos 24 anos, período em que a economia teve um crescimento medíocre – e pelo meio a necessidade de uma intervenção externa – e fomos ultrapassados por vários países da União Europeia.

As fake news sempre existiram. Mas agora são usadas de um modo, digamos, mais democrático. O que custa aos partidos tradicionais, e em Portugal sobretudo ao PS, não são as fake news. Foi terem perdido o monopólio da mentira.

2. Começam a aparecer episódios estranhos na política portuguesa. Segundo as notícias que li, uma empresa pública, Infraestruturas de Portugal, obrigou um novo partido, a Iniciativa Liberal, a retirar um cartaz eleitoral, permitindo que cartazes semelhantes do PS, do PCP e do BE continuassem no local.

Segundo Carlos Guimarães Pinto, o líder da Iniciativa Liberal, o Presidente do Conselho de Administração da IP, António Laranjeiro, é próximo do PS. Não sei se será. Mas foi nomeado pelo actual governo. Esta aliança entre o capitalismo de Estado e os partidos no poder começa a tornar-se uma ameaça para a democracia portuguesa. Sobretudo quando a oligarquia se junta para combater partidos novos que se podem tornar incómodos.