“Estado social local” é a expressão que Carlos Moedas trouxe para o debate público e já vinha com a virtude à nascença de irritar a esquerda, uma indicação luminosa na bússola das políticas certas. Trataremos de o compreender dentro do conceito genérico de Estado social; e de encontrar nele o mecanismo que se comporta como uma mola e leva a esquerda a desempenhar pulos magníficos. O Estado social (ou Estado de bem-estar social, ou ainda Estado providência) refere o modelo de organização política e social próprio da Europa. “A Europa gosta de Estados grandes”, dizem de nós os americanos, com razão. Neste modelo, o Estado tem um papel dilatado em relação às funções nucleares clássicas. O Estado social (ou providência) tenta providenciar todos os cidadãos com uma rede de apoio nas aflições, reduzir as imprevisibilidades e garantir uma certa constância ao longo da vida, com um grau de conforto abaixo do qual se considera que ninguém deve descer, e um grau de preparação que permita ao indivíduo subir de estatuto e respeitabilidade. Em última análise, o modelo do Estado social procura suavizar as diferenças sociais e materiais, promover para todos as mesmas oportunidades, e produzir uma sociedade mais homogénea. Esta é a parte dos desejos e, em larga medida, das conquistas efectivas. Mas o Estado social serve também para empregar muita gente, atravessando quase toda a classe média, em profissões que não têm lugar na economia privada. Como é que o Estado social espera conseguir tudo isto? Através de grandes Orçamentos do Estado. Ou seja, através de impostos cada vez mais altos, que é o processo do Estado retirar recursos à economia.

Descendo ao concreto, onde está o Estado social? Está na Saúde, na Educação, e na Segurança Social (para as reformas e pensões). São três grandes áreas do Estado social que dependem da tutela do governo da República. Só que não acaba aqui. No capítulo dos Transportes, a infra-estrutura e o transporte ferroviário também estão na tutela do governo da República (deixo de fora a TAP para não manchar o texto com assuntos indecentes); os transportes públicos, colectivos, e terrestres, estão sobretudo na tutela das autarquias. No capítulo da Habitação, cada vez mais o Estado se ocupa da habitação para a classe média. Já deixou de ser apenas para responder às situações de miséria; a ideia de Estado social cresceu e passou a incluir a responsabilidade de prover habitação para a classe média. Com um aspecto adicional: a classe média é hoje uma percentagem muito maior da sociedade, e esse crescimento implica que é preciso acudir a muito mais gente. Onde é que estão as grandes políticas de habitação para a classe média? Estão nas tutelas das Câmaras. Principalmente em Lisboa e Porto, as maiores cidades, entre outras razões, porque é onde elas são mais necessárias.

Resumindo, e para estabelecer um ponto da situação, os Transportes rodoviários e a Habitação são hoje dois capítulos indispensáveis do Estado social e dependem sobretudo das autarquias. Significam uma parte importantíssima das políticas e orçamentos municipais. Nos jornais discutem-se as mamografias que Moedas conseguiu negociar com a Fundação Champalimaud para oferecer às mulheres (espero não estar a cometer um crime de género, pelo qual peço perdão aos costumes); e o seguro 65+, que ampara os mais aflitos com ajudas de saúde. Mas o “Estado social local” não é, como parecem pensar os peritos, apenas um complemento necessário mas muito capilar do Serviço Nacional de Saúde. É mais do que isso. É um conjunto grande e importante de políticas do Estado social, na parte em que ele depende das autarquias. O “Estado social local” está aqui, nos Transportes e na Habitação, por azar da esquerda dois pelouros em que o eng. Carlos Moedas tem políticas fortes e bons vereadores. Falaremos destas políticas mais detalhadamente, mas ainda assim podemos ir tomando nota de que, nos Transportes, acabou a guerra aberta contra os carros particulares; e a Câmara de Lisboa paga o passe a maiores de 65 e menores de 23 anos. Na Habitação, há um conjunto de políticas diversificadas, com bons resultados, e ainda melhores por contraste com as 17 casas de habitação pública construídas em média por ano que vinham dos mandatos socialistas. De maneira que Moedas insiste muito no “Estado social local” por boas razões. É natural e saudável que a esquerda se irrite.

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