A Covid-19 deu um forte “empurrão” à aceleração da transição digital. A pandemia fez com que todos, mesmo os mais resistentes, cedessem e aderissem à tecnologia, obrigando a que as empresas que ainda não o haviam feito dessem o “salto tecnológico”.

Na verdade, ainda antes da “chegada” da pandemia, já se vinham sentindo fortes ventos contrários de mudança no paradigma tradicional de laboração: as empresas apostavam cada vez mais na formação dos trabalhadores para que estes se sentissem confortáveis a trabalhar à distância.

Ainda assim, foi notoriamente por força da crise sanitária que o teletrabalho passou de realidade residual a modalidade de adoção obrigatória (ainda que intermitente, variando entre períodos de mera recomendação a outros de aplicação imperativa).

Para que não restem dúvidas, o teletrabalho não se trata de uma novidade laboral pandémica. Aliás, bem pelo contrário, marca presença no Código de Trabalho há sensivelmente 18 anos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Contudo, ainda assim, foi, de facto, com a Covid-19 que este modelo de laboração “ganhou vida” e saiu “a sério” (e definitivamente?) do papel, tendo, em muitos casos, sido verdadeiramente determinante para salvar negócios e manter postos de trabalho.

Com a pandemia e a legislação extraordinária produzida, diríamos que o teletrabalho passou, portanto, de exceção a regra: trabalhar desde casa, sempre que as funções sejam “compatíveis”. E convenhamos que, neste contexto pandémico, o “compatível” mereceu uma leitura e forma de tratamento muito ampla e generosa porquanto as tarefas passaram a ser executadas desde casa, mesmo que, em alguns casos, fosse difícil compatibilizar algumas funções com o regime.

Já com um ano e uns meses de teletrabalho, acreditamos que a “experiência” passou com nota positiva no “teste” da Covid-19. O que nos leva a traçar um balanço francamente positivo deste ensaio concretizado em emergência e quase de um dia para o outro.

Entre outros, entendemos que, para este desfecho, foi fundamental a capacidade dos gestores de uma geração mais tradicional e mais avessa à mudança admitirem hoje que, para acompanharem o direito do trabalho 4.0, precisam de implementar soluções ousadas, criativas e incentivar uma cultura avessa à rigidez, com o objetivo de garantirem trabalhadores satisfeitos, motivados e, consequentemente, mais produtivos e eficientes.

Chegamos, assim, ao âmago da questão: qual será, portanto, o futuro do trabalho?

Outrossim, podemos considerar que o regime de laboração presencial está definitivamente em crise?

Aqui chegados, partilhamos algumas notas para reflexão.

A “retoma” para o que conhecíamos até então poderá estar realmente comprometida, uma vez que poderemos ter de partir não para uma plena retoma, mas antes para uma verdadeira renovação em várias dimensões.

Sabemos que as empresas enfrentam profundos desafios de reposicionamento estratégico e de alteração da sua cadeia de valor, mas também que precisam de ponderar seriamente a implementação de medidas laborais mais flexíveis.

A chave de sucesso para o futuro do trabalho parece, por isso, estar em concretizar/materializar algumas das políticas de flexibilidade que a pandemia obrigou as empresas a adotarem e que revelaram funcionar adequadamente.

Eis-nos que surge, assim, aquela que, numa “era pós-Covid”, será a nova tendência empresarial (e que parece, de facto, ir também de encontro à vontade de muitos dos trabalhadores): o regime híbrido de laboração.

Este modelo de laboração permite conciliar as vantagens do teletrabalho e do trabalho presencial, uma vez que permite alternar entre dias presenciais e dias de trabalho à distância.

Sem grandes certezas sobre o amanhã, parece-nos, contudo, que, ainda assim, há apenas um princípio de consenso: o futuro do trabalho é definitivamente híbrido!

Neste sentido, mostra-nos a prática quotidiana de assessoria jurídico-laboral a dezenas de empresas do nosso tecido empresarial que, de facto, o futuro modelo laboral poderá, em muitos casos, estar em crise. E porquê? Porque se, por um lado, muitas das nossas empresas não pretendem, de todo, regressar ao modelo de laboração pré-existente, por outro, a verdade é que também não mostram vontade em manter o regime de teletrabalho a 100%.

Assim sendo, qual a solução para estas empresas? Qual o regime de laboração a adotar?

É precisamente a este “vazio” que necessitamos de dar resposta. Ou seja, devemos ser capazes de fornecer um quadro legal estável às empresas, que permita adaptarem-se e implementarem um modelo híbrido flexível que responda às exigências das organizações e aos interesses dos trabalhadores.

Evidentemente que este regime implicará necessariamente, por um lado, maior autonomia e responsabilização, mas permitirá, por outro lado, uma relação mais saudável com o trabalho, maior equilíbrio familiar, mais tempo livre e, apesar disso, aumento de produtividade (com reflexo, naturalmente, nos lucros).

Neste “novo” regime, entendemos que devem ainda existir adequados mecanismos de flexibilidade, de cumprimento de objetivos e de gestão e acompanhamento de equipas à distância.

Os dados estão definitivamente lançados!

Se, por um lado, a bola está do lado do tecido empresarial, ao qual caberá necessariamente a decisão de manter (ou não) a aposta efetiva em medidas laborais alternativas de flexibilização, por outro, independentemente do rumo tomado, caberá também ao Governo criar um quadro de maior estabilidade que permita às empresas, num futuro próximo, encarar o teletrabalho e os novos regimes híbridos de laboração como ferramentas úteis ao seu serviço que permitem captar e reter talento e assegurar o tão veiculado “Work Life Balance/Blend”.

Para concluir, uma espécie de “aviso à navegação”: torna-se crucial que se compreenda que não se trata apenas de medidas laborais temporárias de resposta à Covid-19 ou para uma próxima pandemia.

É algo maior. É sobre estar preparado para o futuro!

É algo mais premente e que obriga a esforços vitais por parte de todos nós.

A nossa estrutura empresarial e os trabalhadores “humanos” necessitam de se adaptar à força de trabalho simbiótica de Inteligência Artificial e às novas tendências/realidades laborais (onde se incluem, entre outras, o teletrabalho como forma alternativa de prestação laboral e os modelos híbridos de laboração).

Quem tiver a capacidade de perceber isto, estará certamente mais preparado para enfrentar os desafios do Direito do Trabalho do futuro.

Quanto aos resultados que podem advir desta aposta, diríamos que prognósticos destes mostram a realidade de que é mesmo preciso esperar pelo fim do jogo.

Ainda assim, é fácil prever que não podemos/devemos atuar da mesma forma num cenário que se prefigura diferente. Por isso, é tempo do nosso tecido empresarial mostrar que se encontra disponível e recetivo às mudanças que podem ser necessárias para corresponder às novas dinâmicas laborais.

Como nos ensina o velhinho ditado popular, “[q]uando os ventos de mudança sopram, umas pessoas levantam barreiras, outras constroem moinhos de vento“.

O que significa, por outras palavras, que, aquando da era ‘pós-Covid’ [i.e. na fase da retoma], caberá ao nosso tecido empresarial decidir o caminho que quer percorrer:

  1. Se, por um lado, escuta o forte toc-toc e abre a porta a regimes híbridos/flexíveis de laboração (aproveitando, assim, os ventos de mudança para construir moinhos de vento);
  2. Ou se, por outro lado, pretende apenas (e só) ouvir o tic-tac (boom!?) do trabalho presencial (optando, neste caso, por levantar barreiras aos ventos de mudança).