No jab, no job” | “no vaccine, no entry” – é com estas premissas que, segundo avança esta semana o New York Times, alguns empregadores (casos mais recentes como o do Goldman Sachs e do Morgan Stanley; e outros mais antigos como a Pimlico Plumbers) decidiram aumentar a pressão sobre os trabalhadores para que sejam vacinados, pedindo comprovativos de vacinação à Covid-19 e implementando políticas que restringem as atividades dos trabalhadores não vacinados.

A questão que se impõe é, portanto, e naturalmente, e em Portugal? As empresas podem, sem mais, implementar/ensaiar tais medidas de salvo-conduto imunitário?

Vejamos. Os dados pessoais relativos à saúde são dados sensíveis, reveladores de aspetos da vida privada do trabalhador que, em princípio, não têm de ser do conhecimento do empregador, nem devem, aliás, sê-lo por poderem gerar ou potenciar discriminação. Trata-se do princípio da irrelevância das matérias da esfera privada do trabalhador para a dinâmica do contrato do trabalho.

É por essa razão que esta categoria de dados está sujeita a um regime jurídico especialmente reforçado de proteção de dados, do qual decorre que o empregador não conhece, nem pode diretamente recolher ou registar, dados de saúde dos trabalhadores.

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Decorre do Código de Trabalho (“CT”) que, por regra, para efeitos de admissão ou permanência no emprego, o empregador não pode exigir a candidato ou a trabalhador a realização ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação das suas condições físicas ou psíquicas. Esta proibição geral é, contudo, temperada no artigo 19.º do CT com algumas exceções:

  1. Quando tenham por finalidade a proteção e segurança do trabalhador ou de terceiros (v.g. clientes, visitantes, fornecedores);
  2. Quando particulares exigências inerentes à atividade o justifiquem (v.g. domínios da prestação dos cuidados de saúde).

Em qualquer caso, deverá ser sempre fornecida aos trabalhadores justificação escrita. Ademais, os comprovativos devem ser analisados por médico do trabalho, o qual apenas informa o empregador se o trabalhador está (ou não) apto para desempenhar a atividade.

Além disso, no âmbito da Medicina do Trabalho, é admissível que o profissional de saúde avalie o estado de saúde dos trabalhadores e obtenha as informações que se revelem necessárias para avaliar a aptidão para o trabalho, nos termos gerais definidos no artigo 108.º do regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho.

Postos os considerandos, o nó górdio que urge desatar prende-se, portanto, com o seguinte:

  1. No regresso ao local de trabalho, o empregador pode exigir ao trabalhador que realize teste à Covid-19? Ou que apresente um teste negativo para o efeito?
  2. Outrossim, caso, naturalmente, o trabalhador já tenha recebido a(s) respetiva(s) dose(s), pode o empregador exigir a apresentação de comprovativo de vacinação à Covid-19?

O empregador, dentro dos seus deveres fundamentais, assume a obrigação de proporcionar boas condições de trabalho, de forma a assegurar a proteção da segurança e saúde do trabalhador. Sendo que, dado o contexto epidemiológico, este dever é acrescido pelas orientações da DGS, da ACT e da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD).

A este respeito, a CNPD emitiu uma orientação sobre recolha de dados de saúde dos trabalhadores, em que esclareceu precisamente que: “[E]m especial, no período de progressivo termo do confinamento e de regresso à laboração, a eventual recolha, através de preenchimento de questionários pelo trabalhador, de informação relativa à saúde ou à vida privada do mesmo relacionada com a sua saúde (v.g., se esteve em contacto com pessoas contaminadas) só está legitimada se for realizada direta e exclusivamente pelo profissional de Medicina no Trabalho, tendo em vista a adoção dos procedimentos adequados a salvaguardar a saúde dos próprios e de terceiros.”

Na mesma orientação, a CNPD defende que “a necessidade de prevenção de contágio pelo novo coronavírus não legitima, sem mais, a adoção de toda e qualquer medida por parte da entidade empregadora” e, assim sendo, os empregadores devem abster-se “de adotar iniciativas que impliquem a recolha de dados pessoais de saúde dos seus trabalhadores quando as mesmas não tenham base legal, nem tenham sido ordenadas pelas autoridades administrativas competentes.

Eis-nos chegados, assim, ao nó górdio que nos propusemos desatar.

Na sequência da pandemia Covid-19 e das medidas de confinamento e isolamento social, os empregadores necessitaram de adotar medidas de recolha e registo de dados relativos à saúde e à vida privada dos trabalhadores com o intuito de, assim, prevenir o contágio entre os trabalhadores (recordemo-nos, p.ex., da polémica medição da temperatura corporal – cf. norma de orientação da CNPD de 12.05.2020).

Aqui chegados, e antes de entrarmos no tratamento das questões propriamente ditas, importa destacar que pensamos que não existe fundamento legal para a exigência generalizada de testes epidemiológicos ou para a apresentação de comprovativo de vacinação à Covid-19.

Isto não significa, porém, que, desde que fornecida aos trabalhadores a respetiva justificação escrita para o efeito, não se entenda admissível a realização de testes à Covid-19 ou o comprovativo de vacinação, nas seguintes situações:

  1. Quando tenham por finalidade a proteção e segurança do trabalhador ou de terceiros;
  2. Quando a natureza da prestação laboral o justifique.

Posto isto, quando particulares exigências inerentes à atividade o justifiquem (v.g. profissionais de saúde), parece-nos legítimo que o empregador solicite a esse grupo específico de trabalhadores que desempenham essas funções, como condição de regresso ao local de trabalho, a sujeição a testes à Covid-19 ou a apresentação de comprovativo de vacinação.

Além disso, entendemos também admissível que, como requisito para o regresso ao local de trabalho, o empregador solicite aos trabalhadores a realização de testes ou a apresentação de comprovativo de vacinação, com a finalidade de prevenção epidemiológica (evitar a disseminação e contágio), tendo, assim, em vista garantir a proteção e segurança do trabalhador ou de terceiros.

Importa reiterar que a avaliação e análise deverá ser realizada pelo médico de trabalho, o qual comunica, posteriormente, ao empregador apenas se o trabalhador está (ou não) apto.

Em face do exposto, das duas uma, ou existe a finalidade de proteção e segurança do trabalhador (ou de terceiros) ou particulares exigências inerentes à atividade que o justifiquem.

E, assim sendo, num dos dois cenários ora traçados como admissíveis, desde que se forneça justificação escrita para a realização do teste e este seja realizado ou comunicado ao médico do trabalho, entendemos que não há motivo legítimo para recusa, pelos trabalhadores, à realização de tais testes epidemiológicos ou para apresentação de comprovativo de vacinação à Covid-19.

Dito isto, perspetivando-se o regresso de milhares de portugueses ao local de trabalho, os testes epidemiológicos e o comprovativo de vacinação à covid-19 prometem transformar-se num trágico nó górdio, à espera de alguém que o desate (que jeito daria aqui um tal de Alexandre…) ou, o que se afigura mais provável, de um(a) corajoso(a) capaz de erguer a espada que o corte.

Restando-nos, assim, por ora, esperar para perceber se, tal como Alexandre o Grande viria a fazer na lenda que deu lugar a esta metáfora recorrente, existirá uma orientação ou esclarecimento “oficial” que desate finalmente este nó górdio empresarial.

P.S.: O mais inquietante é, ainda assim, a sensação de que o emaranhado é tal, que, nesta matéria, não faltarão muitos mais nós para desatar pela frente.