Quando fui para férias, o esvaziar os pneus dos carros alheios estava ao nível do gesto para salvar o planeta. Nos textos da nova catequese que está por todo o lado avisavam-nos que não devemos andar de carro ou em carros grandes, por causa do planeta obviamente. Também nos diziam que não devíamos lavar tantas vezes a roupa ou, numa versão mais aprofundada, nem sequer lavar a roupa. Não satisfeitos com a imposição do mau cheiro por decreto – mais a mais se trocarmos o carro pela bicicleta! – logo surgiam outros a defender que também não se deve comprar tanta roupa (não nos desse a ideia de ir substituindo a roupa suja por outra lavadinha porque acabadinha de comprar) e, por fim mas não por último, que também não se devem tomar tantos banhos. O simples facto de existirmos ou termos filhos gera eco-ansiedade.

Quando regresso de férias dou de caras com a personagem activista climático, com penteado a condizer, a arengar nas televisões e rádios socialismo em nome da crise climática: “É urgente, por um lado, cortar emissões e combater a crise climática, a crise das petrolíferas, a crise dos transportes e por outro lado gerir os recursos tendo em vista o bem comum e os direitos das pessoas

E assim, de crise em crise, vão impondo a sua agenda. Mas não só. O activista em questão, de seu nome Noah Zino, avisa ainda que um novo aeroporto não faz falta alguma por causa da crise climática e explica que “entendemos que é preciso  uma acção muito mais directa e muito mais contundente nos problemas que são os problema do dia a dia das pessoas”.  A acção, muito mais directa e muito mais contundente, tinha-se traduzido pela vandalização de um campo de golf por parte de alguns auto-denominados activistas climáticos. Por causa da crise climática, claro.

Num verdadeiro espírito de cruzada, o absurdo socialista e a prepotência passam a inquestionáveis se forem apresentados como um gesto para salvar o planeta e resolver a crise: podem vandalizar-se campos de golfe em Portugal e pomares em França ou transformar a vida dos outros num inferno em Berlim ou Londres em acções contra o trânsito. No limite tolera-se que se ache excessiva esta forma de salvar o planeta mas não é suposto que não participemos neste neopaganismo que se infiltrou no nosso dia a dia. O paganismo tornou-se na religião de Estado no Ocidente no momento em que os estados procuram cada vez mais expurgar os símbolos religiosos dos espaços públicos: banem-se os presépios das mesmas praças em que se montam árvores cobertas por milhares de luzes. Deus tornou-se um assunto privado, enquanto o culto da Natureza se fez público.

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Do ponto de vista da condição humana esta troca não é irrelevante: séculos e séculos de dor, estudo e História adequaram no cristianismo a fé em Deus às circunstâncias humanas. Já a comunhão com a Natureza faz-nos recuar do paradigma do pecado – que nos tornámos livres de cometer – para o campo da conspurcação: não somos pecadores mas sim conspurcadores dessa entidade-equilíbrio chamada Natureza e temos de nos sacrificar para a apaziguar. Sim, sacrificar.

O que se esperava fosse resolvido por mais investigação e progresso tornou-se num caminho de abdicação. Estamos rodeados por pessoas que deixaram de… Uns deixaram de comer carne. Outros de viajar de avião. Outros de comer não sei o quê porque tem óleo de palma. Outros de usar sapatos de pele… Sempre em nome da salvação do planeta.

Estava eu a prepara-me para terminar este texto, remetendo para aquele momento em que os gregos sacrificaram Ifigénia para desse modo acalmarem a deusa Artemisa que lhes negava os ventos indispensáveis à navegação da sua esquadra até Tróia, quando, vindo sei lá eu donde, me entra pelo texto adentro, com notável estardalhaço, o engenheiro Guterres mais as suas calças molhadas até ao joelho. Sim, de repente, aquele título “António Guterres lidera sondagem para eleições presidenciais” que me tinha parecido um enigma tornou-se subitamente claro. Faz sentido: Guterres, o beato católico, que nos deixou para fugir do pântano, volta agora como possível candidato presidencial igualmente beato mas com o clima a preencher o imaginário apocalíptico que se apoderou dele no dia em que desistiu de governar Portugal:Estamos numa auto-estrada para o inferno, com o pé no acelerador”, disse no seu discurso na abertura da cimeira de implementação da COP27; “Estamos todos condenados“: o alerta de Guterres sobre a necessidade de um acordo climático; Humanidade enfrenta “suicídio coletivo” devido à crise climática, avisa António Guterres … Todos os dias Gueterres alerta para um desastre.

Sim, é verdade. Depois de Marcelo, da falácia da política dos afectos e da sua absoluta falta de noção sobre o que é o papel do PR (os comentários feitos pelo Presidente aos partidos que recebe em Belém não são admissíveis em circunstância alguma) podemos vir a ter, em Belém, Guterres, o beato dos apocalipses, agora climáticos. Marcelo tinha sempre uma selfie para fazer. Guterres terá sempre um desastre para anunciar. O objectivo é o mesmo: ficarem bem na fotografia.

Merecíamos e precisamos de melhor.