Quando ando de avião fico com pensamentos existenciais. Não sou o primeiro da família assim. O meu tio Teo sempre que voava despedia-se da família mais chegada em jeito de testamento oral. Na altura ria-me dele mas agora não sou muito diferente.

Talvez ainda pior que voar sejam os dias anteriores a fazê-lo. Pousa em mim uma angústia leve, como se estivesse em causa um momento de avaliação da minha vida, como se tivesse de arrumar a existência antes ainda de preparar a mala. Fico inevitavelmente com propensão para a gravidade, o que não deixa de ser saloio tendo em conta as circunstâncias reais.

Não há nada pior do que o aeroporto. Não sei como é possível haver gente que viaja muito de avião e que não acredita no inferno ao terem tanta experiência de aeroportos. Aeroportos são a prova provada de que somos criaturas que disfarçam a sua desorientação inventando viagens, partidas, chegadas, alfândegas, fiscalizações e guichets. O inferno é uma travessia de aeroporto em aeroporto, em círculos sucessivos e infinitos. A única coisa que lá não termina é o terminal.

Entrar no avião não é para mim o pior. Tenho de reconhecer que por vezes até me posso divertir com alguma da emoção do voo. No passado já aconteceu sofrer com ansiedade mas graças a Deus esta parte está um pouco melhor para mim. A partir do momento que a viagem propriamente dita começa fico sensível à excitação da aventura. Sobretudo aprecio quando o avião aterra e quando vejo pela primeira vez uma cidade nova.

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Os céus de Zurique, por exemplo, impressionaram-me. Havia nuvens espessas que formavam uma espécie de ilhas em cima de nuvens menos espessas. Quando o avião furou essa cortina nebulosa surgiu Zurique, correspondendo àquela imagem harmoniosa, verde e organizada que temos da Suíça. Muito linda, de facto. Quando chegámos ao aeroporto nem me lembrava se estava na parte do país que falava francês ou alemão.

A Suíça era, no entanto, apenas uma escala, porque eu e a Rute íamos à caminho de Escópia, na Macedónia do Norte. Almoçámos no Burger King e até aí o vigor da economia suíça mordeu a nossa tímida carteira portuguesa: pagámos nove contos por hamburgers e dois contos e duzentos por duas bicas (é óbvio que a minha cabeça ainda funciona em escudos). Quando escrevo esta crónica estou num daqueles lounges de aeroporto, outro sinal evidente da danação global que o Ocidente atravessa. Páro para escrever e, ao ver-me longe dos meus filhos, resvala a minha cabeça novamente para pensamentos existenciais, sempre mais trágicos do que as minhas viagens merecem.

A ver se regresso.