Nos momentos difíceis muitas vezes o maior sofrimento vem em forma de ter pena de mim próprio. É como se o pior que me acontecesse não fosse o que me acontecesse mas o que faço com o que me está a acontecer. E suspeito que ter pena de mim mesmo é especialmente grave porque ajuda o mal que me acontece em vez de me ajudar a mim. A pessoa com pena de si mesma entrega-se ao problema em vez de enfrentá-lo.

Não me entendam mal até porque não tenho talento para auto-ajudas. De um modo geral, tenho vivido como a pessoa que menos me ajuda a mim mesmo. Na origem dos meus problemas a percentagem que pode ser atribuída a mim é altíssima e vai destacada à frente dos outros concorrentes. Claro que nem todos os sarilhos que me acontecem foram criação minha mas, ainda assim, vou isolado do pelotão. Logo, estas linhas não devem ser entendidas como vindas de alguém com algum tipo de espécie de autoridade moral para ensinar os outros a enfrentar a vida.

Qual é, então, a minha moral para vos falar dos prejuízos de ter pena de si mesmo? Não é a moral que vem de os vencer mas de sucumbir às mãos deles. Deixem-me exemplificar: ainda hoje tenho um problema para resolver (e vamos lá a ver se hoje é só um problema que tenho para resolver—nunca se sabe os que poderão surgir além da minha previsão). É, segundo os meus cálculos prévios, um problema relevante e pouco simples. Envolve-me a mim e envolve outros. Fica muita coisa em jogo. À medida que se aproxima o momento de resolver o problema (ou, pelo menos, o momento de tentar resolver o problema), enche-se de vozes a minha cabeça. A mensagem dessas vozes é invariavelmente a mesma, ainda que em frases diferentes: não mereço o problema que me calhou.

As ocasiões em que merecemos os problemas que temos não nos tornam necessariamente corajosos ou competentes a resolvê-los, mas, na recordação de que estamos a colher o que semeámos, não nos facilitam o caminho para a auto-comiseração. Uma pessoa convictamente culpada é menos dada a ter pena de si mesma. Afinal, mereceu o problema que tem. Não merecer o problema que se tem é que é o fenómeno que tão levemente nos conduz ao ponto de partida deste texto: a lamentação auto-infligida.

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Na Bíblia há um exemplo fulgurante do erro que é ter pena de si mesmo: quando Jesus mencionou pela primeira vez aos seus discípulos que teria de morrer. Diz Mateus 16:21 e 22: “começou Jesus a mostrar aos seus discípulos que convinha ir a Jerusalém, e padecer muito dos anciãos, e dos principais dos sacerdotes, e dos escribas, e ser morto, e ressuscitar ao terceiro dia. E Pedro, tomando-o de parte, começou a repreendê-lo, dizendo: Senhor, tem compaixão de ti; de modo nenhum te acontecerá isso.” Um pouco de contexto: Jesus estava numa época de algum sucesso público. Subitamente, o discurso dele vira para baixo e do êxito passa para a morbidez. Podemos censurar o voluntarismo corrector de Pedro?

A solução para o problema que é Jesus ter ficado mórbido é, para Pedro, a auto-compaixão. Afinal, Pedro gosta de Jesus e quer o melhor para ele, certo? Mas a resposta de Jesus é desconcertante (no verso 23): “Ele, porém, voltando-se, disse a Pedro: Para trás de mim, Satanás, que me serves de escândalo; porque não compreendes as coisas que são de Deus, mas só as que são dos homens.” Impedir Jesus de atravessar um problema em que não tinha culpa nenhuma era uma ideia do Diabo, e não de Deus. Apliquemos o princípio a nós mesmos: ter pena de mim próprio quando não mereço o que sofro é sempre a pressurosa e positiva proposta de Satã.

A auto-compaixão não ajuda ninguém porque quando é necessária iniciativa preocupamo-nos com inocência. Jesus, o único verdadeiramente inocente, estava a iniciar o caminho de resolver o maior problema de sempre, que é necessidade de Deus nos salvar. Pedro, por sua vez, fazia com que ele tropeçasse com conversas de que o mal não aconteceria. A proposta de Pedro é usar a auto-compaixão como um modo de o mal ficar longe. Quando tenho pena de mim mesmo, uso o mesmo truque de tentar espantar a injustiça com a minha inocência. Acontece que o mal vai acontecer-nos mesmo, podemos ter a certeza disso. Seja o mal que merecemos, seja o mal que não merecemos, vamos ter de lidar com ele.

Deus me ajude a não olhar para o pobre Tiaguinho com pena. Se mereço todos os problemas que tenho? Certamente que não. Mas quando coloco no meu suposto mérito o tratamento dos meus problemas faço deles maiores e apequeno-me a mim. A resposta certa a um problema que não merecemos não é a nossa inocência mas a nossa iniciativa. Acredito nisto porque o único verdadeiramente inocente, Cristo, iniciou  o caminho de resolver o problema derradeiro que não merecia. Claro que lamento ter de enfrentar males que não comecei, mas o que mete mesmo pena é ter pena de mim mesmo.