Definitivamente, alguém perdeu a cabeça na Comissão Nacional de Eleições. Quando foi votar este domingo, Marta Temido disse o seguinte: “Quanto melhores os nossos resultados, melhor defendidos estarão os portugueses e os europeus”. Podemos achar esta frase brilhante ou tonta; apropriada ou inconveniente; acertada ou absurda. Podemos, até, se estivermos inclinados para isso, achar que é uma frase cumpridora da lei ou fora da lei. Mas há uma coisa incontestável: a frase foi dita. Mais: foi dita por uma responsável política. Mais ainda: foi dita por uma responsável política em público. Em qualquer país do mundo livre, esta é a definição de uma notícia. E os jornais, as rádios e as televisões, em qualquer país do mundo livre, existem para dar notícias.

Mas a nossa Comissão Nacional de Eleições acha que os jornais, as rádios e as televisões não existem para dar notícias — acha que existem para serem a milícia privada de uma entidade administrativa que toma decisões de forma instantânea. Por isso, este domingo, a CNE comunicou o seguinte às redações: os órgãos de comunicação social devem “cessar a divulgação de tais declarações”.

Há aqui um enorme equívoco: os jornalistas não são os censores privativos da Comissão Nacional de Eleições. Se a CNE tem algum problema com as declarações de Marta Temido pode fazer o que entender em relação à cabeça de lista do PS: pode admoestá-la, pode multá-la, pode detê-la, pode prendê-la ou pode enviá-la para o Tarrafal. Aquilo que, decididamente, a CNE não pode fazer é ordenar aos jornalistas que ignorem algo que aconteceu e que tem interesse público.

Mas a nossa Comissão Nacional de Eleições não quer mandar apenas em Portugal — como Napoleão, tem aspirações a mandar na Europa inteira. Pouco depois desta deliberação, surgiu uma outra. Tendo os restantes países da União Europeia hábitos eleitorais distintos dos nossos, votam em dias diferentes e em horas diferentes das portuguesas. Por isso, ao longo destes dias, foram surgindo sondagens à boca das urnas e projeções pós-eleitorais. Toda a imprensa internacional tem essa informação em destaque nos seus sites, como é evidente. Pior: o próprio Parlamento Europeu está a divulgar oficialmente essa informação à medida que ela vai surgindo, como se pode ver aqui. Se dependesse da CNE, os portugueses que se quisessem informar sobre o que se passa fora das nossas estreitíssimas fronteiras teria, tal como acontece nas mais reles ditaduras, que procurar informação em órgãos de comunicação social estrangeiros ou no site de um órgão democrático como é o Parlamento Europeu. Antigamente, era mais difícil; entretanto, felizmente, Deus inventou a Internet.

A Comissão Nacional de Eleições ainda não percebeu, por isso convém ser claro: os jornalistas não são polícias, não são procuradores do Ministério Público, não são juízes — e, acima de tudo, não são serventuários da CNE.

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