Acontece com as fórmulas químicas como com as receitas da culinária: a diferença está no ingrediente secreto. Que pode ser um condimento. Ou uma sequência de procedimentos até que se chegue a um “produto final”. Mas que faz com que, nem sempre, um segredo se partilhe mesmo quando uma patente deixa de estar sob reserva. Até porque há ingredientes secretos que dependem, sobretudo, da mão de quem prepara uma receita.

O mais grave de tudo é quando isso de ingredientes secretos se estende ao amor. O que leva a que se ache que são eles que fazem com que “os maridos das outras” e “as mulheres dos outros” tenham as qualidades (e o apuro) que os nossos não têm. O nosso adormece no sofá. É de poucas palavras. Numa discussão, deixa-nos a falar sozinhas. Ora se assume como distraído ora não lhe reconhecemos senão a capacidade de fazer uma única coisa de cada vez. E reage de forma mais ou menos “eléctrica” quando exige que não lhe ponhamos mais pressão sobre os seus ombros. A nossa, tem sempre “o pavio” mais curto. Exalta-se, esbraceja e enrubesce. Põe as crianças sempre à frente do namoro. Não pára de fazer, sobre as coisas mais diversas, exercícios de intuição feminina que nos sufocam. E cobra de todas as vezes que não tomamos a iniciativa de marcar um jantar. O nosso tem um conflito por resolver com o romantismo. A nossa chora por tudo e por nada. O nosso “come as palavras”. A nossa fala demais. O nosso é “despassarado”. A nossa é “controladora”. O nosso, desarrumado. A nossa, obsessiva. O nosso contorce-se quando se trata de dizer à mãe que, no próximo domingo, não vamos lá almoçar. A nossa, volta não volta, pega-se com a mãe e deixa-nos a perguntar se não será possível que as duas tenham uma relação próxima duma “eco experience”. Às vezes, o ingrediente secreto que nos falta parece ser, simplesmente, que os maridos são… das outras. E as mulheres… dos outros. Ou, por outras palavras, que os “nossos” e as “nossas” são todos iguais. Mas um casamento será mesmo uma trituradora de diferenças e torna-nos, a todos, assim tão, “fatalmente”, parecidos? Sobretudo quando duas pessoas se ligam, convivem e constroem uma relação e se espera que cresçam com isso? Ou, por outras palavras, porque é que “aos outros” sobra tudo aquilo que nos falta? E porque é que a vida deles parece ter mais “glamour” e ser tão mais fácil de viver que a nossa?

Às vezes, tenho a impressão que “os maridos das outras” e “as mulheres dos outros” servem para dizermos, “em português suave”, que as pessoas que escolhemos para ter ao pé de nós se tornam, com o tempo, uma desilusão. Ou, por muito diferentes que sejamos uns dos outros, que os casamentos, um ano depois do outro, se tornam todos iguais. O que faz com que um marido se transforme, muitas vezes, n’“o meu filho mais velho”. Ou que uma mulher se ponha, de forma cansativa, “sempre com as mesmas coisas’. Mas o que mais inquieta nisto, não é tanto a forma resignada com que “os nossos maridos” e “as nossas mulheres” têm, tão amiúde, desabafos como esses. Ou que repitam sempre mais um “Eu já nem digo nada!”, com que se assume uma espécie de rendição, em modo de poupança de energia, com que se evitam discussões. O que mais inquieta, mesmo, é a forma como parece existir uma maioria silenciosa de pessoas infelizes. Que começam por se apaixonar e terminam a desiludir-se. Ou que, com o passar dos anos, assumem, com displicência, que o futuro do amor é a amizade. Mas o que incomoda mais, ainda, é a forma como o amor serve para que as pessoas se acomodem a uma bruma que as gela. Havendo quem chame a isso, de forma minimalista, simplesmente, “rotina”.

“Os maridos das outras” e “as mulheres dos outros” são uma forma de assumirmos que “os outros” têm ingredientes que faltam “aos nossos”. Ou, doutra forma, que um casamento empalidece por causa d’ “os outros”. Sempre por causa dos outros! Sendo que “os maridos das outras” e “as mulheres dos outros” nos chamam a atenção para “os outros” que temos em casa. Nunca para nós; claro! É aqui que tudo se vicia. Elogiarmos “os maridos das outras” e “as mulheres dos outros” acaba por ser uma forma de dizermos a quem está connosco: “enxerga-te e aprende com os outros”. Que, por outras palavras, quer dizer que as pessoas de quem gostamos, quando comparadas com “os maridos das outras” e com “as mulheres dos outros” saem a perder. Ora, os casamentos parecem iguais porque, cada um de nós a seu jeito, espera ser mimado sem ser preciso reclamar. Anseia por ser admirado sem que, humildemente, se recrie. Deseja ser desejado sem se dar ao desejo. E reclama por ser entendido mesmo quando faz quase nada para ser empático. Os casamentos tornam-se “iguais” porque nos demitimos de reconhecer que o ingrediente secreto está em nós. Quando, em vez de termos “os maridos das outras” ou “as mulheres dos outros” como referência, deixamos de exigir aos “nossos” (e a nós, também) os ingredientes sem os quais “os maridos das outras” e “as mulheres dos outros” saem sempre a ganhar.

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