É cíclico como o nascer e o pôr do sol. Sempre que há uma crise política em Portugal, o Presidente da República é acusado de ser um agente partidário. Para não ir mais longe, aos tempos dos bloqueios institucionais de Soares a Cavaco, a  direita acusou Sampaio de ter orquestrado a dissolução de 2004 para favorecer os  socialistas, dando-lhes tempo para se recomporem do processo Casa Pia e abrir caminho a uma nova liderança. Em 2011, a Esquerda acusou Cavaco Silva de ser partidário, ao esperar estrategicamente pela sua reeleição para desferir um ataque mortal a Sócrates e, em 2015, de criar engulhos à formação da Geringonça. Chegados a 2021, a Esquerda (e alguma Direita) acusam Marcelo Rebelo de Sousa de ter tido um comportamento partidário face ao Orçamento do Estado e, agora, face às eleições.

Confesso que Marcelo não esteve particularmente bem ao receber Paulo Rangel em Belém no momento em que o fez. Um pouco de recato era aconselhável naquele momento em que o parlamento deveria ser o centro de todas as decisões. No entanto, genericamente, nesta crise política, Marcelo tem estado à altura do cargo. Durante as negociações do orçamento, quando estas ameaçavam falhar, disse o óbvio: se o orçamento fosse chumbado, haveria lugar a eleições antecipadas.

É já tempo de a democracia portuguesa amadurecer ao ponto de confrontar-se com a ideia de que os Presidentes da República são atores políticos com preferências. Marcelo não deixou de ser do PSD quando entrou em Belém, assim como Sampaio não deixou de ser do PS. A ideia de que, depois de uma vida inteira de militância nesses partidos, Marcelo, Cavaco, ou Sampaio pairariam acima dos partidos é uma mera fantasia que serve para alimentar ambiguidades e equívocos palacianos.

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