A três meses das eleições legislativas, Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, presumível futuro secretário-geral do PS, já perceberam uma coisa: ganhará quem conseguir instrumentalizar melhor o medo. Não se pode dizer que estejam a ser particularmente originais. É dos livros: o apelo bem sucedido ao instinto mais básico consagra vencedores e decreta derrotados. De que vale vender esperança, para quê debater uma visão de país para lá de umas quantas generalidades, se o fator medo é mais barato, mais eficaz e mais fácil de usar.

Os mais cínicos dirão que é assim mesmo que se ganham eleições e que está tudo bem. Acrescente-se mais privado, num caso, ou mais Estado, no outro, e o país pula e avança. A escola aguenta, os hospitais vão funcionando, as casas vão aparecer. Não vale a pena levantar ondas, prestar contas ou ambicionar muita coisa para lá do que já existe e remedeia. Que fazê-lo até atrapalha, assusta e afugenta.  A história dá-lhes razão – e a história é contada pelos vencedores.

Não é preciso recuar muito ou pular fronteiras para se perceber que é mesmo assim. Em 2015, o risco imaginado de uma nova bancarrota derrotou António Costa e o grupo de 12 sábios que foi buscar para provar que até sabia fazer contas. Em 2019, a ameaça de uma renovada política de austeridade bateu o choque fiscal prometido por Rui Rio, que, talvez ingenuamente, achou que prometer baixar impostos era o caminho mais fácil para vencer eleições em Portugal. Finalmente, em 2022, a fantasia de uma extrema-direita pendurada nos sociais-democratas esmagou a esquerda e o PSD, entregando a maioria absoluta a António Costa. Nos três casos, nenhum dos medos era particularmente fundado. Nem sequer resistiria a um debate mais sério. De pouco importa. Venceu quem o soube usar melhor. Pior: continua a fazer a escola.

Em rigor, oito anos depois, os argumentos não mudaram assim tanto. Montenegro vai tentando convencer os eleitores de que o adversário é uma espécie de reencarnação de Vasco Gonçalves cuja única missão na Terra é fazer um qualquer ajuste de contas com a história. Ser tão radical como Costa já não chega; o “camarada Pedro Nuno” é ainda “mais fanático” e tem em Mariana Mortágua uma “cinderela” (?) que o enfeitiça. Vem para desbaratar as finanças públicas, para nacionalizar tudo o que mexe, para ocupar o aparelho do Estado, para alimentar a “subsídiodependência”.

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Pedro Nuno Santos, por sua vez, repete o truque de António Costa e lá vai garantindo que ele, só ele, impedirá o PSD de governar com o Chega. E se Luís Montenegro põe uma corda ao pescoço e jura a pés juntos que o não a André Ventura é mesmo ‘não, nunca, ponto final, parágrafo’, que até desiste de ser primeiro-ministro se ficar em segundo lugar – coisa que Pedro Nuno não diz, já agora –, o socialista puxa de um argumento irrebatível: ‘Montenegro está a mentir, acreditem em mim’. E ainda lhe acrescenta uns pózinhos: se Montenegro diz que vai reduzir impostos, aumentar salários e pensões, Pedro Nuno lá aparece a dizer que Passos também dizia o mesmo e foi o que se viu.

Se Montenegro diz mata e lembra o jovem turco que um dia disse que punha as pernas dos banqueiros alemães a tremer, Pedro Nuno diz esfola e recorda o líder parlamentar que se orgulhava de ter um país melhor apesar dos portugueses não estarem assim lá grande coisa.  E voltamos todos, arrastados, para um debate esgotado e inconsequente sobre quem trouxe a troika e quem foi além da troika.

Num ciclo penoso e interminável, PS e PSD estão viciados em discutir o passado. Pior: estão viciados em discutir ideias feitas, leituras criativas, caricaturas do passado. Talvez porque seja mais confortável revisitá-lo do que debater o presente e, sobretudo, discutir o futuro.

Tudo parece girar à volta do medo. Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos parecem tão empenhados em ganhar à custa do medo que até têm medo do que foram e do que são. Montenegro foge da memória da troika e aparece embalado por Cavaco Silva e Manuela Ferreira Leite – que, só por acaso, foi uma das mais ferozes adversárias de Passos e apoiante de Rui Rio. Pedro Nuno foge da sua versão radical e aparece apadrinhado por Francisco Assis e Álvaro Beleza – que, só por acaso, foram os mais críticos da ‘geringonça’.

As convicções de um e de outro são trabalhadas, matizadas, filtradas. E sobra pouco. No fundo, para lá de umas graduações nas propostas que fazem, umas nuances na forma como se apresentam, no que dizem e no que deixam por dizer, nos ataques retóricos que fazem um ao outro, estão também eles paralisados pelo medo que tentam alimentar nos outros: se António Costa teve maioria absoluta há menos de dois anos, não será arriscado ser muito diferente dele? Todos têm medo de perder.