Na passada sexta-feira, o Parlamento português aprovou uma proposta do PAN que, se bem-sucedida, resultará num aumento de quase 4000% de emissões de gases de efeito estufa (GEE) em Espanha. Sim, leu bem. Mas foi sem querer, claro.

Refiro-me ao encerramento de Almaraz, um assunto cuja complexidade não permite uma exposição completa num pequeno artigo de opinião, mas que talvez devesse ter sido explorado com algum profissionalismo pelo órgão legislativo do Estado.

Num dos países mais receosos em relação à energia nuclear, a esmagadora maioria dos partidos querem saltar para a carruagem do antinuclear (incluindo o Chega, apesar de, no seu website, se manifestar abertamente como pró-nuclear) sem se preocuparem em saber onde esse comboio nos leva.

Uma das paragens desse comboio é um exuberante e incontornável aumento de emissões de GEE em quase 4000%. O mais grave, é que esta não se encontra muito longe da estação de partida. Na verdade, encontra-se a poucos metros e é bastante fácil avistá-la. No entanto, por vezes, o dogmatismo e o conformismo levam à cegueira e foi isso que aconteceu a este órgão de soberania.

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Para que esta paragem fosse visível seriam necessárias contas relativamente simples: se a proposta atingir os objetivos a que se propõe, os 16 mil GW de energia produzidos em Almaraz anualmente terão de ser substituídos por outra fonte de energia. Essa energia será, na sua grande maioria, produzida através de combustíveis fósseis. Até podemos ser “otimistas” e assumir que a substituição será inteiramente feita através de gás – a substituição pelo carvão é igualmente provável, mas teria consequências ainda piores.

Segundo o IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change, das Nações Unidas) a energia nuclear possui uma intensidade carbónica de 12 gramas de CO2-eq por KW produzido. O gás possui uma intensidade carbónica de 490 gCO2-eq/KW, podendo chegar aos 650. No caso atual, 16 mil GW produzidos a 12g/KW resultam em 196 mil toneladas de CO2-eq por ano. No caso que o PAN propõe, e que o Parlamento aprovou, esses 16 mil GW produzidos a 490g/KW resultam em quase 8 milhões de toneladas por ano1. Isto significa que o encerramento de Almaraz resulta, inevitável e irrefutavelmente, num aumento anual de quase 4000% do nível de emissões (3983.3%, para ser exato). (E não, não é possível instalar a capacidade necessária para colmatar este aumento num curto espaço de tempo.)

No meio de uma pandemia e de convulsões sociais, talvez seja fácil esquecer que as emissões de GEE são ainda o maior desafio com que a sociedade atual se depara. O consenso científico levou a um compromisso uníssono entre vários países para reduzir os níveis de emissões. Embora esses compromissos enfrentem tremendas dificuldades em concretizar-se. Seria, por isso, de esperar que um partido que se propõe a defender as pessoas, os animais e a natureza tivesse tido esta preocupação em conta no debate acerca do encerramento de Almaraz, mas não foi o caso. Talvez o risco de ameaça iminente de Almaraz seja tão elevado, que o PAN acha que este aumento colossal de GEE se justifica, mas isso não explica o porquê de o assunto ter sido deixado de lado. Isso não explica o porquê de o PAN não apresentar soluções para este aumento, resultado da sua própria recomendação.

A um partido que começa o seu discurso felicitando os jovens que mais uma vez se manifestam contra o Aquecimento Global, seria de esperar ações na mesma direção. Seria, pelo menos, de esperar que o problema fosse considerado em todas as medidas ambientais apresentadas. Infelizmente, o apelo feito pelo PAN com este projeto-resolução foi ao medo e não à ciência. Ironicamente, o único deputado que teve a coragem de apelar a um debate objetivo e baseado em factos, João Cotrim de Figueiredo da Iniciativa Liberal, foi acusado de “desconsiderar os riscos”.

Por que motivo então, foi este tema completamente desprezado pelo PAN e pelos apoiantes desta medida? Como foi dito no início, foi sem querer e é isso que assusta. A proposta apresentada reflete preocupações ambientais louváveis, mas reflete também um profundo desconhecimento do setor energético, que é o maior responsável pelas emissões de GEE. Sem se perceber um problema, não é possível resolvê-lo e aquilo que o PAN e os deputados que apoiaram esta medida demonstraram na passada sexta-feira, foi que não compreendem, de todo, o problema com que nos deparamos.

Boas intenções são benéficas quando se trata de angariar votos, mas não chegam quando se trata de fazer uso do poder que esses votos representam. Para resolver os problemas é necessário fazer o trabalho de casa e, como sabemos, o amor pela natureza aliado à ignorância perante o que a afeta tem consequências devastadoras e, enquanto cidadãos, devemos exigir que essa ignorância não seja votada em Parlamento.

(1) Para o leitor interessado em comparações, 8 milhões de toneladas são o equivalente ao setor agrícola português na sua totalidade (incluindo o problemático setor da pecuária); são também o equivalente a quase quatro vezes o total anual de emissões de Malta.