Numa entrevista à TVI a 12 de Novembro, já depois de ter anunciado a sua candidatura a líder do Partido Socialista, José Luís Carneiro foi questionado se estaria disposto a viabilizar um governo minoritário do PSD para impedir que este último estivesse dependente do Chega para governar. Em resposta, Carneiro afirmou “Não será por mim que o Chega chegará ao poder no nosso país.” No passado domingo, depois de afirmar que com ele a extrema-direita “não passará”, Carneiro voltou a afiançar: “Sou por um PS capaz de promover o diálogo entre todos os parceiros sociais e capaz de dialogar com todos os partidos democráticos”. Este posicionamento causa algum desconforto entre alguns dos seus apoiantes, que não concordam totalmente com a ideia de viabilizar um governo minoritário do PSD e que, de resto, já o vieram corrigir e afirmar coisas diferentes. No entanto, esta é, até agora, a grande diferença entre Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro. Na verdade, diria mesmo que José Luís Carneiro foi um dos poucos socialistas, desde que António Costa chegou ao poder em 2015, com o apoio da esquerda parlamentar, a afirmar publicamente que o PS deve buscar o diálogo com o PSD e todos os partidos democráticos se realmente deseja impedir a extrema-direita de governar. Congratulo a coragem de José Luís Carneiro, bem como a sua coerência analítica. Na verdade, todos aqueles que, como António Costa, dizem querer parar a extrema-direita, mas agem de acordo com objectivos totalmente diferentes – o de criar um sistema de domínio do PS ou de polarização entre blocos – estão a ser profundamente incongruentes e irresponsáveis. Neste caso, as acções valem mais que as palavras.

Em Pedro Nuno Santos vemos precisamente a posição contrária à de José Luís Carneiro. Na verdade, por vezes fico com a impressão que preferiria governar em coligação com o BE e o Livre do que numa maioria absoluta do seu próprio partido. Pedro Nuno Santos ainda não negou a possibilidade de viabilizar um governo minoritário do PSD, mas pressinto que não estará para aí virado. Por razões puramente instrumentais (obter o poder), António Costa iniciou a criação de um sistema partidário centrífugo, isto é, um sistema em que os vários partidos se posicionam nos extremos e distanciam uns dos outros, deixando muitas vezes os eleitores sem opções para votar ao centro.  Pedro Nuno Santos pretende consolidar essa opção. Muitos cidadãos, comentadores e políticos parecem ter uma enorme atracção por um certo tipo de clima político, confrontacional e polarizado em dois blocos. Esses dois blocos seriam completamente estanques e antagónicos, numa lógica puramente adversarial. Confesso que não vejo a atractividade de tal ambiente político. Certamente que será óptimo para as carreiras desses comentadores e políticos e será divertido para os hobbyistas políticos profissionais, que se entretêm na discussão política, no ambiente mediático e nas redes sociais. No entanto, os sistemas que se polarizaram em blocos que conheço não são propriamente exemplos de bom ambiente e escolhas políticas recentes que queiramos seguir (ex: Estados Unidos, Reino Unido, Brasil, Espanha, etc).

Como já aqui referi, há quase um ano, quando um partido de direita radical entra num sistema partidário, há essencialmente duas opções. Uma das opções é a integração “normal” desse partido de direita radical no bloco da direita, como aconteceu na maioria dos sistemas parlamentares de representação proporcional da Europa continental, como a Dinamarca, a Holanda, a Suécia, a Áustria, a Suíça, a Itália e a Noruega, onde partidos de direita radical participaram normalmente em coligações governamentais ao longo das últimas décadas. Em Espanha, também não duvido que, caso tenha maioria parlamentar, a direita coligar-se-á para formar governo. A outra opção é a criação e manutenção de um cordão sanitário, como na Alemanha, em que os partidos moderados do sistema – o SPD de centro-esquerda e a CDU de centro-direita, bem como os Verdes e os Liberais – acordam não se coligar com a extrema-direita, nem com a extrema-esquerda. Para isso, todos eles aceitam coligar-se com qualquer outro partido desta lista. Os Verdes aceitam coligar-se com o FDP e o a CDU, os liberais do FDP aceitam coligar-se com o SPD e os Verdes (governo actual), o SPD aceita coligar-se com os democratas cristãos da CDU numa grand coalition ao centro. Veremos se esse cordão se manterá e não tenho grandes dúvidas que só se manteve até agora pela história idiossincrática da Alemanha. Independentemente disso, o caso Alemão mostra-nos que a única maneira de manter o cordão sanitário é havendo disponibilidade de diálogo e coligação entre todos os partidos moderados do sistema. Não é possível manter um cordão sanitário em redor dos extremos políticos e uma mentalidade de blocos políticos estanques e hostis ao mesmo tempo. Repito para Pedro Nuno Santos não ter dúvidas: não é possível manter um cordão sanitário e querer simultaneamente uma polarização em blocos, recusando dialogar com os moderados do lado oposto.

Alguns comentadores e opinion-makers de esquerda, argumentam preferir uma polarização em dois blocos. Dizem apreciar a sua clareza ideológica e apresentam a polarização em bloco como o mecanismo para impedir o Chega de crescer. Nesta linha de raciocínio, se os partidos de centro-esquerda e centro-direita decidirem posicionar-se ao centro, onde também está a maioria dos eleitores portugueses, isto geraria convergência nas elites (uma alternância Pepsi vs. Coca-Cola) e apetite no eleitorado para os extremos. Esquecem-se de dois pormenores.

O primeiro pormenor é que só uma minoria de Portugueses tem as preferências políticas desses comentadores, estando a maioria do eleitorado no centro do espectro ideológico. Este facto não é de somenos para todos os democratas, isto é, todos aqueles que desejam que os governos e as políticas públicas respondam às preferências da maioria do eleitorado. O argumento, de resto, é vinho velho em garrafas novas: é o velho argumento de que os partidos do centro-esquerda e centro-direita são “iguais” e “neoliberais”. Isto é, evidentemente, uma falácia. É perfeitamente possível que um partido de centro-esquerda represente opções políticas muito diferentes de um partido de centro-direita, mesmo que tal não implique a revolução anti-capitalista (afinal de contas, não desejada pela vasta maioria). Acresce que, num clima de polarização em blocos não é infrequente os partidos centristas de cada bloco ficarem reféns dos partidos ou alas mais extremistas desses mesmo bloco, precisamente porque não podem dialogar com partidos próximos, mas do outro lado da barricada. Certamente muitos comentadores de esquerda gostariam que o PS ficasse refém do BE e PCP de novo. No entanto, no sistema de polarização em blocos que desejam, não se podem esquecer que tal implica que PSD fique refém do Chega e das suas posições políticas quando o bloco da direita tiver maioria.

E é precisamente desse segundo detalhe que estes comentadores parecem esquecer se esquecem também. Numa democracia saudável, há alternância de poder. Caso não exista, estaremos perante um perigo para a democracia. No fundo, o que muitos esquerdistas empedernidos desejas é que a polarização do sistema em blocos torne inviável que um dos blocos governe e que seja sempre o seu lado a governar. Do ponto de vista político, estão livres de o querer. Do ponto de vista analítico, tal posição é indesculpável. Pressupõe a corrosão das instituições, porque abdica da ideia de alternância de poder. Mais, é uma posição profundamente irrealista, porque numa sociedade democrática normal, as maiorias oscilam. Se hoje o bloco da esquerda tem 53% dos votos, amanhã poderá ter 47%. Nesse amanhã, será o bloco da direita a ter uma ligeira maioria. Quando chegar esse momento, também quererão ter um sistema polarizado em blocos? Tão embrenhados que estão dentro das suas baias ideológicas, arriscam-se a criar um mundo onde serão governados por uma direita extremada. Se estivessem realmente preocupados com a extrema-direita, como afirmam, não quereriam criar uma dinâmica de competição política em que o poder dessa família ideológica floresça. Se calhar, talvez seja isso que querem, porque infelizmente a lógica dos comentadores e dos políticos é a do sucesso das suas carreiras, o que muitas vezes é incompatível com aquilo que seria a posição sensata, democrata e realista.

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