O grande final da Eurovisão teve lugar este sábado, numa apoteose de luzes e animação, vestidos impossivelmente curtos e prateados e cabelos fabulosamente flutuantes. Foram meses de preparação entre os concursos nacionais, semanas de ensaios e duas semifinais. Tudo isto foi mantendo a chama viva até ontem, e hoje o dia parece um bocadinho mais cinzento.

Mas a Eurovisão é muito mais do que meramente um espetáculo de cor e coreografia, e, ocasionalmente, de música. Por trás das luzes existe uma miríade de temas que deviam e têm interessado o mundo académico desde os primórdios do festival.

Apesar das suas regras estritas contra quaisquer manifestações políticas, a Eurovisão é um palco privilegiado para observar as grandes tendências. A começar pelo sonho da integração Europeia.

A Eurovisão é o sítio onde se apresentam os países que aspiram um dia entrar na União Europeia, como a Albânia, a Macedónia do Norte ou a Sérvia, os competidores da UE, como a Rússia, e até os que saíram da UE.  O que dizer do Reino Unido, que está disposto a pagar mais caro pelos vinhos e pelo champanhe francês, ou a ter mais complicações burocráticas para passar férias no Algarve, mas que não abdica de participar na Eurovisão? O Brexit não chegou ao estilo Eurotrash do Festival que os britânicos tanto amam como odeiam. Aliás, o anterior Primeiro-Ministro David Cameron apressou-se a tranquilizar os deputados no Parlamento em 2016 sobre este tema. Dado que a Austrália e o Azerbaijão, que não pertencem à Europa participam no Festival, argumentou ele, seguramente continua a haver lugar para o Reino Unido.

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A Eurovisão é assim a expressão concreta do sonho da união na diversidade, reunindo num só espetáculo culturas muito diferentes, embora nos últimos anos tenha havido uma clara tendência de homogeneização em torno do estilo pop-eletrónico dançante cantado em inglês.

Porém, por trás do sonho, persistem as linhas de fratura que afetam também a Europa. Na Eurovisão vota-se em blocos. É conhecida a tendência dos países de Leste favorecerem a Rússia, dos países do Sul se entre-ajudarem (obrigada a nuestros hermanos), o Reino Unido e a Irlanda trocarem pontos altos e até os nórdicos se apoiarem. Durante anos, Portugal beneficiou igualmente do voto da saudade vindo de França, que, não poucas vezes, nos atribuiu a pontuação máxima.

Considerando que as pontuações finais são uma mistura do voto popular (que não pode votar na canção do seu país) e de um júri de especialistas, é provável que esta tendência resulte sobretudo de uma aproximação cultural entre vizinhos. Mas o que é certo, é que estas votações em bloco (Sul/Norte e Este/Oeste) se repetem no interior da União Europeia em temas tão afastados da música como as questões financeiras, agrícolas, económicas, etc.

Ocasionalmente a Eurovisão reflete também conflitos mais graves, como o ano em que a Ucrânia proibiu a participação da Rússia por causa da Crimeia, ou quando houve uma tentativa de boicote à organização do Festival em Israel. Mas, enquanto as luzes brilham, a Eurovisão representa um certo sonho de união que todos desejaríamos que fosse possível.

Portugal não ganhou este ano, mas como os sportinguistas sabem, a vitória há quatro anos dos irmãos Luísa e Salvador Sobral ainda nos fará sonhar muitas décadas. Pelo menos, no que diz respeito a esta colunista, tornou a entrada nos “entas”, que ocorreu no mesmo dia da vitória de Portugal em 2017, mais doce.