Ponto prévio: os polícias têm toda a razão na sua luta e nas suas reivindicações. Não há qualquer justificação para que o suplemento que foi dado à Polícia Judiciária não tenha também sido dado a outras forças de segurança como a GNR, a PSP ou os guardas prisionais. Os polícias arriscam muito, mas ganham pouco. Mais: as forças de segurança têm todo o direito a manifestar-se. Mas têm, a par de todos esses justos direitos, um dever: cumprir a lei.

O cerco ao Capitólio que os polícias protagonizaram antes do único frente-a-frente entre os dois principais candidatos a primeiro-ministro, ainda que pacífico, vai para lá do que é tolerável. É uma afronta ao normal funcionamento democrático. Estava, por exemplo, previsto que Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro prestassem declarações à saída do debate, com púlpito aprontado para o efeito, mas a presença dos manifestantes levou a que fossem alterados os planos iniciais.

O facto de o debate decorrer num edifício cercado pode — apesar da boa fé dos manifestantes — ter condicionado os dois candidatos. Mesmo que os líderes de PS e PSD não se deixem condicionar, não serão indiferentes a estarem rodeados de polícias. Pior: são forças de segurança que estão ali em desrespeito pelas regras que deviam fazer cumprir: a concentração estava prevista para o Terreiro do Paço, mas os agentes e militares dirigiram-se para o Parque Mayer. Depois dessa imprevisibilidade, não seria de descartar (por mais improvável que fosse) que pudessem dar o passo em frente e até entrar (sempre pacificamente, claro) no edifício. Não o fizeram, mas a ameaça pairou e o cerco durou até ao último minuto de debate.

Os polícias podiam fazer a sua luta de forma justa, dentro do respeito pela lei. Mas preferem não fazê-lo. Têm privilegiado o recurso à desonestidade (com baixas fraudulentas para afetar jogos de futebol — em atos que até já tiveram como consequência, em Famalicão, feridos graves), com ameaças anti-democráticas (como boicotar as eleições de 10 de março) e agora na tentativa de condicionar um dos mais importantes debates para as legislativas.

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Desde logo o arranque do debate passou a ser sobre o próprio protesto. Só isso condicionou, pelo menos, o arranque do debate. Acabou por ser Pedro Nuno Santos a demonstrar mais sentido de Estado e de responsabilidade, com um aviso sério: “Não se negoceia sob coação.” E a dizer que é fundamental respeitar o direito de manifestação, mas também o “direito ao debate político democrático fundamental para as eleições”. Luís Montenegro já tinha tido uma posição similiar, a 4 de fevereiro, quando avisou os polícias que “num Estado de Direito ninguém está acima da lei.” Desta vez, optou pela versão fofinha: limitou-se a atacar o Governo de Costa e deixou o espaço da responsabilidade para Pedro Nuno Santos. Fez mal.

Mesmo quem reconhece o trabalho da polícia (que é fundamental, corajoso e mal pago), quem defende o direito à manifestação das forças de segurança (a que têm, e bem, direito; ao contrário do direito à greve a que não têm, e bem, direito), não pode deixar de ficar incomodado com o beliscão ao espaço democrático que, neste caso, devia ser exclusivo dos políticos.

Homens vestido de preto, com bandeiras de Portugal, a cantar o hino e a gritar “vergonha” deu à polícia o ar intimidatório (ainda que pacífico) que normalmente é associado a grupos que as próprias forças de segurança policiam. Um polícia, em qualquer rua que esteja, é e deve representar o contrário: uma presença que dá confiança aos cidadãos. O ato alegadamente espontâneo (continua a não haver coragem e frontalidade para assumir o contrário, tal como acontece com as baixas fraudulentas) cria desconfiança, insegurança e retira autoridade às autoridades. O ato dá força ao uso de uma expressão popular: a polícia protege-nos dos bandidos, mas quem nos protege da polícia?