“Fiquei surpreendido e até algo indignado quando vi, ainda antes de o conteúdo do livro ser publicado, tantos comentadores e agentes políticos a criticarem este livro. O que se passa quando há tanta acrimónia em relação ao professor Cavaco Silva? O que se passa quando alguns comentadores e agentes políticos querem decretar a morte cívica do professor Cavaco Silva?”
Durão Barroso, 15 de setembro de 2023

1 É absolutamente extraordinário ouvir e ler as reações de dirigentes ou simpatizantes do PS sempre que Cavaco Silva fala e intervém no espaço público. Os socialistas com responsabilidades bem tentam disfarçar o (grande) incómodo com sorrisos falsos e tentativas bacocas de desvalorização mas a boca não demora muito tempo a fugir para a verdade. E aí o rancor, a frustração, a inveja e muita mesquinhez dos socialistas PS vêm ao de cima.

Como uma vez mais se viu nas reações ao lançamento do novo livro “O Primeiro-Ministro e a Arte de Governar” (Porto Editora), ao qual tive o prazer de assistir.

Sobre a importância histórica de Cavaco Silva e dos seus governos de maioria absoluta já escrevi vários artigos nos últimos anos (ver aqui, aqui e aqui, por exemplo) porque a desinformação sobre o cavaquismo promovida pelo PS é verdadeiramente extraordinária.

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Aliás, se pensarmos bem, essa desinformação só pode ser vista como propositada. Porque foi o próprio António Costa quem determinou no discurso de tomada de posse do seu terceiro Governo, o da atual maioria absoluta, quer iria fazer diferente do que apelidou de “poder absoluto” do cavaquismo. Foi, portanto, o primeiro-ministro quem indicou às suas hostes que Cavaco era um inimigo político a abater por parte do PS.

E, de facto, os socialistas não têm poupado nos ataques e nos adjetivos para tentar rebaixar, algumas vezes de forma bem canalha, o político, a sua obra e indo ao ponto de promoverem ataques pessoais. Tudo serve.

Até faz lembrar o tempo em que o PS de Mário Soares atacava Sá Carneiro pelo facto de viver em união de facto com Snu Abecassis sem estar divorciado, qual dono e guardião dos bons costumes. O próprio Soares lamentou isso mesmo muitos anos depois.

2 Até parece que Cavaco Silva se está a candidatar a algum cargo, tal é a violência e o militância do PS e dos seus compagnon de route no comentário televisivo e escrito. Até Mário Centeno, supostamente governador do Banco de Portugal, também quis fazer ‘tiro ao alvo’ no verão, provando que não consegue despir o fato de ministro das Finanças de António Costa.

O problema é que as críticas que os socialistas fazem (algumas delas verdadeiramente vergonhosas, insisto) dizem mais sobre os próprios do que sobre Cavaco.

Veja-se o caso de Ana Catarina Mendes. Dando provas (uma vez mais) da sua pouca imaginação política, não achou nada melhor do que “lembrar” na noite do lançamento do livro de Cavaco “como na década de 1980 e 1990” o então primeiro-ministro “conviveu como se nada fosse com o trabalho infantil”.

A insinuação torpe é evidente: Cavaco nada fez para combater o trabalho infantil.

O problema da ministra adjunta e dos Assuntos Parlamentares (um mistério, eu sei) é que a mentira tem perna curta e rapidamente a jovem que entrou para a JS no início dos anos 90 para combater Cavaco foi apanhada. Não só o trabalho infantil foi combatido desde o início dos governos de maioria absoluta de Cavaco, como os primeiros instrumentos legislativos foram promovidos pelo Governo e aprovados pelo PSD na Assembleia da República no período 1988 e 1995.

Como recordou Pedro Gomes Sanchez no Expresso, um relatório do Sistema de Informação Estatística sobre o Trabalho Infantil publicado em 2001 (durante o sexto ano do Governo Guterres) comprova todos os esforços dos Executivos de Cavaco Silva para combater e reduzir o trabalho infantil.

3 Pior foi outro tipo de reações mais pessoais, como foi o caso de Miguel Prata Roque, ex-secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros. Parece que, ao escrever livros, Cavaco Silva está tentar passar por algo que não é, um intelectual. O que, como todos sabemos, seria uma fraude. Até porque, acrescentou Prata Roque ironicamente no Twitter, “bastaria perceber o contexto em que nasceu, quem eram pai e mãe para indiciar esse apego à cultura e ao conhecimento.”

Todo este raciocínio é profundamente lamentável. A todos os os níveis.

Por muito que não tenha sido essa a intenção de Miguel Prata Roque — pessoa por quem tenho estima pessoal —, a ideia de usar a baixa escolaridade dos pais de Cavaco Silva para o atacar politicamente e fundamentar uma ideia ainda mais ridícula (a do falso intelectual) revela um preconceito social e um radicalismo verdadeiramente atroz e preocupante vindo de alguém foi membro de um Governo do PS.

É absolutamente lamentável que se tente aplicar (e logo um socialista!) um certo determinismo social para tentar descredibilizar alguém só por causa da baixa escolaridade e respetiva baixa condição socio-económica. Isso é tão snob, tão profundamente ridículo que deveria dar lugar a um processo disciplinar num Partido Socialista digno desse nome.

As reações de Ana Cataria Mendes e de Prata Roque são apenas duas reações de muitas outras igualmente rancorosas e mesquinhas que os socialistas mostraram nas últimas semanas. E que têm um padrão histórico.

Como Pedro Gomes Sanchez fez questão de recordar na sua coluna no Expresso. Basta ler outros insultos de Isabel Moreira (PS), João Galamba (PS) Edgar Correia (PCP) ou até de comentadores respeitáveis como Miguel Sousa Tavares para percebermos que há um padrão de intolerância e violência verbal para quem pensa de forma diferente.

É como Durão Barroso disse na sessão de apresentação do livro do ex-primeiro-ministro: a esquerda quer “decretar a morte cívica” de Cavaco Silva. Ou seja, quer impedi-lo de falar, usando para tal tudo o que for necessário para tentar descredibilizá-lo.

O problema é que não consegue. E, cada fez mais, o feitiço vira-se contra o feiticeiro.

4É por isso que é interessante comparar os passos de Cavaco Silva após ter saído do Palácio de Belém com idêntica fase de Mário Soares. Será que Cavaco está a fazer algo tão diferente de Soares? Será que Soares se remeteu ao silêncio e deixou a actividade política?

Não é preciso um grande esforço de memória para perceber claramente que Soares teve até muito mais intervenção política do que Cavaco tem tido desde que deixou de ser Presidente da República.

Logo em 1999, pouco mais de três anos após ter saído do Palácio de Belém, Soares aceitou um convite para ser cabeça-de-lista do PS às eleições europeias. Regressou, portanto, à política ativa.

Soares ganhou com 43% dos votos contra a lista do PSD liderada por Pacheco Pereira mas o pior veio depois quando já em Estrasburgo tentou candidatar-se contra Nicole Fontaine, do Partido Popular Europeu. Soares perdeu e antes da eleição ainda apelidou a advogada francesa de “dona de casa”, num comentário que causou muita polémica e que hoje seria apelidado de sexista e discriminatório.

Imagine-se Cavaco, Barroso, Passos referirem um rival para um cargo internacional como “dona de casa” — o que não diriam os moralistas e donos do politicamente correto da esquerda de hoje?

Além de intensa atividade de combate político ao Governo de Durão Barroso e de Santana Lopes, Mário Soares não se reformou e avançou em 2006 para uma candidatura presidencial contra Cavaco Silva (que desprezava politicamente) e o seu amigo Manuel Alegre. Perdeu de forma humilhante, ficando apenas com 14% dos votos. Cavaco teve a sua terceira maioria absoluta com mais de 50% dos votos.

Pelo meio, fez uma viragem ideológica que quase o aproximou mais do Bloco de Esquerda e do PCP, do que do próprio PS por ele fundado com outros camaradas seus. Elogiou de forma muito convicta ditadores como Hugo Chavéz, que destruiu o sistema democrático venezuelano (um dos poucos com sucesso no séc. XX da América Latina), promoveu a corrupção de Estado como prática corrente e criou as condições para que Nicolas Maduro destruísse de facto o país e promovesse o exílio de milhões de venezuelanos.

Apoiante ainda mais convicto de José Sócrates, Mário Soares não achou nada melhor do que ameaçar por escrito o juiz Carlos Alexandre, que tinha ordenado a prisão preventiva de Sócrates, em artigo de opinião no Diário de Notícias:

“Nunca tantos portugueses se manifestaram a favor de Sócrates, estando ao mesmo tempo indignados pelo que lhe aconteceu. (…) Nesta fase final de um governo incapaz e de um Presidente da República que nunca se dignou a dizer uma palavra acerca de um ex-primeiro-ministro, com o qual durante anos dialogou, a indignação e solidariedade dos portugueses com Sócrates não podia ser maior. Como se tem visto em inúmeras visitas que, de Norte a Sul, lhe têm feito, com enorme carinho. Valha-nos isso. E o juiz Carlos Alexandre que se cuide...”, escreveu.

E ainda instou o PS a revoltar-se contra o poder judicial e a violar da forma mais primária possível o principio da separação de poderes. António Costa não lhe deu ouvidos. E fez muito bem.

5 E o que fez o centro-direita, que esteve no poder entre 2011 e 2015, e contra o qual o próprio Mário Soares andou a promover abaixo assinados e congressos? Tentou tapar a boca de Soares? Chamou-lhe todos os nomes possíveis e imagináveis? Atacou-o pessoalmente para o tentar descredibilizar? Defendeu a sua morte cívica?

Não, não fez nada disso.

Quem me lê, sabe que tenho uma opinião convicta de que vivemos uma democracia desequilibrada, em que há uma preponderância cultural e mediática da esquerda que acaba por fomentar uma política de dois pesos e duas medidas para avaliar algo que é semelhante.

Voltando à frase de Durão Barroso que abre este texto. A forma como a esquerda quer decretar a morte cívica de Cavaco Silva, recusando-lhe algo que foi admitido a Mário Soares, é uma das provas mais fortes desse mesmo desequilíbrio. E, em certa medida, é a prova de que existe uma pulsão autoritária no PS que tem sido potenciada pelo ambiente da maioria absoluta.

No que depender de mim, cá estarei para combater essa pulsão autoritária e a tal política de dois pesos e de duas medidas — que também quer influenciar quem é e quem não é escrutinado. Cá estarei para defender o pluralismo de opiniões que aprofunda a democracia e permite um escrutínio igual para todos.

Artigo alterado às 9h49 no ponto 1, clarificando-se as críticas do PS de Mário Soares à relação entre Sá Carneiro e Snu Abecassis e o lamento do próprio Soares anos depois.