Volta não volta a regionalização regressa à ordem dos trabalhos. Regionalização encarada como a criação de um patamar subnacional do exercício do poder para onde algumas competências são transferidas. Uma regionalização sem qualquer razão geográfica, populacional, linguística ou religiosa que a explique e sustente. Já sei que quem me lê já está a concluir ‘lá vem o tipo de Lisboa falar contra a regionalização’. Vamos ver se nos entendemos: apesar de lisboeta não me repugna a descentralização. Na verdade, quem está mais próximo conhece melhor os problemas e está mais apto para os resolver. Aliás, considero que o problema dos projectos de regionalização apresentados pecam por serem incompletos. Se é para regionalizar, que se regionalize tudo: competências e formas de financiamento.

Infelizmente, quando se menciona a regionalização a discussão limita-se à distribuição de competências pertencentes ao poder central (ou local) e à criação de cargos. Raramente se referem os meios para sustentar o exercício desse poder. Discutem-se formas de as futuras regiões apresentarem obra, mas não o modo de as pagarem.

Porque a regionalização, como qualquer descentralização do poder político, para ser eficaz e democrática, implica a criação de uma nova relação directa entre os eleitores e os eleitos. Entre os cidadãos e os que exercem os cargos de governação. Essa responsabilização mútua só se consegue se há dinheiro envolvido. Quando há impostos. Quando as funções regionais são financiadas por impostos regionais. Se quem governa uma região tiver que cobrar impostos sobre os cidadãos que habitam essa mesma região de forma a pagar o que prometeu em eleições. Se quem vota sabe, e sente no bolso, que vai pagar a obra que aquele em que votou prometeu levar a cabo. Se tal não acontecer, se as novas regiões não forem financiadas por impostos regionais, mas através de transferências vindas do poder central, de Lisboa, do Terreiro do Paço, então o eleitor vota em quem prometer mais obra, em quem gastar mais dinheiro e der garantias, através das suas boas relações com Lisboa, de ‘sacar’ dinheiro aos habitantes de outras regiões que escolheram um governo com menos influência nos corredores do poder central. Ora, isto não é regionalizar. Isto é criar um novo patamar de poder, criar cargos para políticos se poderem ocupar; é desvirtuar o conceito de descentralização do poder.

Qualquer descentralização, seja regional ou autárquica, deve passar pela distribuição de competências, mas também da incidência, lançamento, liquidação e cobrança de impostos. Não se pode correr o risco de se financiarem as regiões como se financiam as autarquias: com impostos municipais cobrados pelo Estado central e distribuído por este através de critérios ditados pela influência política.

Além de um aprofundamento da democracia, a descentralização fiscal dá lugar à responsabilização directa de quem gasta mais do que deve e do que pode. Uma região com contas públicas deficitárias terá de aumentar os impostos com todas as consequências que daí advêm. Uma região com contas públicas equilibradas poderá baixar os impostos com todas as vantagens daí provenientes. Rui Rio afirmou no podcast de Daniel Oliveira, ‘Perguntar não ofende’, que seria favorável à regionalização “desde que o enquadramento legal me leve a conseguir que se reduza a despesa pública.” A descentralização fiscal é um excelente começo. Não é fácil, não é o que a classe política deseja e por isso não vai ser feita. Mas é o único modo de se ser verdadeiro quando se fala em regionalizar.

Advogado

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