Nas últimas semanas, temos sido confrontados com sucessivas notícias que nos dão conta da presença de uma seita que se instalou em Oliveira do Hospital, uma pacata cidade no centro de Portugal. Conhecida como “Reino do Pineal”, esta seita é liderada por Água Akbal Pinheiro, um indivíduo carismático que tem atraído seguidores com promessas de iluminação espiritual e uma postura de ruptura com a sociedade.

Poderá este culto ser aquilo que os especialistas catalogam como ‘seita destrutiva’ ou ‘grupo de alto controlo’?

Este é um tema que me tem despertado o interesse, dado que eu próprio tive uma experiência pessoal envolvendo um grupo religioso fundamentalista, como já aqui expus em artigos de opinião anteriores. Foi exactamente com base nessa experiência pessoal que fui convidado a escrever a minha biografia, com o título “Apóstata! Porque abandonei as Testemunhas de Jeová”.

Por este motivo, desde há cerca de 20 anos para cá passei a investigar a temática das seitas destrutivas e grupos de alto controlo. A leitura de muitos livros e o contacto directo com peritos nesta área a nível internacional, bem como o convívio com pessoas vítimas deste tipo de grupos levou-me a tornar-me activista na exposição das seitas destrutivas e grupos de alto controlo.

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Criei inclusivamente um workshop presencial em Lisboa e mais recentemente um curso online sobre aquilo que designo de ‘Psicologia das Seitas Destrutivas’.

A minha determinação é ajudar a sociedade portuguesa e outros países de língua portuguesa a conhecerem os perigos deste tipo de grupos. Encontro-me actualmente a escrever um livro sobre este assunto, que considero ser um guia de A a Z sobre este tema.

Com respeito a esta seita, conhecida como “Reino do Pineal”, creio que ainda é prematuro tirarmos conclusões, mas os indícios até agora levam-me a crer que existem já evidências bastante preocupantes, nomeadamente um líder carismático que serve de uma espécie de guru e o isolamento a que os membros do grupo estão votados. A notícia recente sobre o bebé que morreu, provavelmente sem cuidados médicos adequados, é igualmente outro sinal de alerta importante para as autoridades.

Mas afinal o que é uma seita destrutiva ou grupo de alto controlo? Quais as suas características? Uma das características habituais deste tipo de grupos é o seu isolamento da sociedade e uma postura de ruptura ou até mesmo confronto com a mesma. É muito comum tais grupos viverem em isolamento, numa espécie de comuna à parte da sociedade e criarem as suas próprias leis. Aliás, este grupo até mesmo exigiu ao Estado português que reconheça a autonomia territorial onde está implantado.

Mas existem outras características transversais a estes grupos, nomeadamente é posta em prática a manipulação psicológica e coerção para influenciar o pensamento e o comportamento dos seguidores. O líder e grupo desencorajam o contacto com familiares e amigos fora do grupo. Por vezes existe até mesmo exploração financeira, exigindo-se doações ou contribuições financeiras significativas dos membros. Existe uma imposição de crenças extremistas ou radicais enquanto se rejeita outras visões de mundo. Existe uma restrição da liberdade pessoal e até mesmo intimidação para evitar a dissidência ou críticas internas. Estas são apenas algumas das principais. Mas existem outras.

Em especial, o que diferencia estes grupos de outras organizações religiosas ou espirituais é principalmente o nível de controle e manipulação exercido sobre os seus membros. Enquanto muitas organizações religiosas oferecem um ambiente de apoio e crenças partilhadas, as seitas destrutivas usam tácticas abusivas e coercivas para controlar o pensamento, o comportamento e a vida pessoal dos indivíduos, prejudicando a sua liberdade e autonomia. Neste tipo de grupos de alto controlo tudo gira em torno do líder e da sua visão de mundo. Aquilo que ele ensina ou ordena é encarado como lei e não pode ser contestado.

Repare como neste caso temos um homem que afirma ter tido um “despertar espiritual”, algo que não é incomum neste tipo de líderes. É sempre em torno de um líder carismático que o grupo se constrói e agrega. São habitualmente pessoas que atraem outros através da sua oratória e capacidade de persuasão. Junte a isso uma mensagem disruptiva, polémica ou sensacionalista e obterá uma fórmula para atrair novos adeptos que procuram um sentido na vida ou que passam por problemas pessoais.

As seitas destrutivas ou grupos de alto controlo costumam atrair novos membros por meio de certas estratégias de recrutamento que envolvem sedução emocional, manipulação psicológica e a exploração das vulnerabilidades individuais. Elas podem até utilizar propaganda enganosa, oferecer soluções simplistas para os problemas complexos com que nos deparamos ou mesmo explorar momentos de fragilidade pessoal, como o luto, a busca por um sentido na vida ou insatisfação emocional, entre muitas outras situações.

É natural perguntar-se como é possível em pleno século XXI alguém juntar-se a este tipo de grupos. À partida existem múltiplos factores psicológicos que podem levar as pessoas a se juntarem a estes grupos, como a busca por um significado e propósito, o desejo de pertencer a uma comunidade, vulnerabilidade emocional, falta de apoio social, a busca por uma espiritualidade alternativa, influência de amigos ou familiares, ou até mesmo algo tão apelativo como o desejo de mudar o mundo para melhor.

Quando o indivíduo entra para o grupo, sofre persuasão coerciva por parte do líder e dos restantes membros já devotados. A pessoa passa a estar debaixo daquilo que alguns peritos designam como ‘influência indevida’ ou, conforme se chamava antigamente, a chamada ‘lavagem cerebral’. Como isto é feito? Através de um processo já estudado, chamado ‘reforma do pensamento’.

Este tipo de grupos exercem controle sobre os membros de várias maneiras, nomeadamente o controlo de comportamento, controlo de informação, controlo do pensamento e controlo emocional. Quando o líder consegue ter o domínio do indivíduo nestes quatro campos, ele manipula a pessoa segundo a sua vontade e a pessoa se torna como que uma marionete nas mãos do líder. A pessoa torna-se completamente dependente do líder e do grupo e nem consegue imaginar a sua existência à parte deles. Steven Hassan, um dos mais reconhecidos peritos nesta área, explica isso de modo detalhado nos seus livros.

As principais táticas utilizadas para manter controlo sobre os membros incluem coisas tais como a doutrinação intensiva, onde é ensinada uma visão de mundo exclusiva e onde são reforçadas constantemente essas crenças por meio de estudos, palestras e rituais. Tal como já disse, existe um controlo comportamental, onde são ditadas regras estritas de conduta e comportamento e onde são regulados aspectos da vida diária dos membros. Existe habitualmente uma exploração emocional onde as emoções dos indivíduos são manipuladas, criando uma dependência emocional em relação ao grupo e ao líder. O controlo do acesso a informações externas é intenso dentro do grupo, de modo a que se promova apenas a visão do grupo e seu líder. Pode até mesmo ser usada hipnose ou técnicas de influência psicológica para minar a autonomia dos membros.

Como se pode imaginar, os danos emocionais e psicológicos que os membros podem sofrer durante e após a permanência nestes grupos são variados e podem incluir: trauma psicológico, ansiedade, depressão, isolamento social, sentimentos de culpa, perda da identidade pessoal, distúrbios alimentares, pensamentos suicidas, medo da punição divina ou de alguma maldição, desconfiança em relação aos outros e dificuldades de reintegração na sociedade após sairem do grupo.

Muitas vezes, as famílias só se apercebem que o seu ente querido passou a integrar uma seita destrutiva quando é tarde demais e o processo de doutrinação já fez efeito. Por isso, é preciso estar atento a alguns sinais de alerta, tais como o isolamento repentino e afastamento de amigos e familiares, bem como mudanças drásticas nas crenças e forma de ver o mundo.

A adoção de uma nova linguagem ou terminologia específica e difícil de entender pode ser outro sinal. A dificuldade em tomar decisões independentes do líder ou grupo é outro sinal de alerta. Talvez a pessoa desenvolva também um comportamento agressivo ou defensivo ao ser questionada sobre o grupo pelos familiares e amigos. Talvez a família perceba que existem doações financeiras significativas para o grupo e que o membro não consegue explicar de forma racional. A exibição de dependência emocional em relação ao líder ou ao grupo é outro sinal de alerta a ter em conta.

Eu considero que o papel das autoridades e das instituições é fundamental no combate a este tipo de grupos. Elas devem oferecer apoio às vítimas, investigar as denúncias de abuso e violência psicológica, devem fornecer recursos educacionais e promover a consciencialização pública sobre os perigos do envolvimento com tais seitas destrutivas. As autoridades também podem criar regulamentação e leis que protejam os indivíduos vulneráveis e punam os abusadores. Infelizmente em Portugal nada disto existe e nada disto é feito.

Existem países na Europa que já criaram agências e observatórios que estão atentos às acções destes grupos e promovem debate público sobre eles, até mesmo fornecendo relatórios aos governos, caso seja necessário. A França é um desses exemplos com a agência governamental ‘Miviludes’.

Compreende-se que muitas das vezes é complicado para as autoridades actuarem, tendo em vista a dificuldade em obter evidências concretas dos abusos e manipulação sofridos no grupo, já que muitas prácticas que ocorrem dentro do grupo são encobertas. Além disso, a liberdade religiosa e a protecção dos direitos individuais devem ser cuidadosamente equilibradas com a necessidade de se proteger as pessoas mais vulneráveis. A falta de informação e formação sobre este tipo de grupos também pode dificultar uma acção mais eficaz. Por isso, creio que as autoridades tratam sempre estes assuntos com “pinças”, por assim dizer.

Mas a sociedade necessita de ser educada e alertada sobre os perigos destes grupos e é fundamental serem promovidas campanhas de consciencialização, que destaquem os sinais de alerta e ofereçam informações sobre as tácticas de manipulação utilizadas pelas seitas destrutivas. Essas campanhas podem ser realizadas por meio de palestras, workshops, materiais educativos, campanhas online e parcerias com organizações que trabalham na área de proteção aos direitos humanos e combate ao abuso psicológico e físico.

Infelizmente, em Portugal não existe nada organizado neste sentido. Nem mesmo a maioria dos psicólogos está preparada para lidar com as vítimas deste tipo de grupos. O que acontece é que essas vítimas muitas das vezes procuram fóruns ou grupos online de ex-membros onde podem sentir que a sua experiência é validada e acabam por receber apoio informal, o que não deixa de ser também muito importante. Muitos que saem destes grupos saem sozinhos, traumatizados e com dificuldades de relacionamento. Costumo dizer que é como se a pessoa nascesse de novo, em que tem de aprender a viver à parte do grupo e das orientações do líder. Eu próprio tenho um grupo de apoio no Facebook para ex-membros das Testemunhas de Jeová ou quaisquer pessoas que precisem de ajuda.

Outro aspecto a ter em conta é que as seitas destrutivas podem representar alguns riscos sociais e de segurança para a comunidade de várias maneiras. Alguns desses riscos incluem a exploração financeira dos membros e de suas famílias, o que leva a dificuldades financeiras ou mesmo à insolvência. Podem existir danos físicos e emocionais causados aos membros, incluindo abuso físico e negligência. Até mesmo possíveis práticas criminosas, como lavagem de dinheiro, tráfico humano ou abuso infantil é comum existirem em alguns destes grupos herméticos. As ameaças à liberdade individual e à integridade psicológica dos seguidores são uma constante. Alguns destes grupos têm o potencial de radicalização e envolvimento em atividades extremistas e até terroristas.

Existe um claro impacto negativo nas relações familiares e comunitárias devido ao isolamento e alienação dos membros, onde famílias são rompidas, dando lugar ao divórcio e posterior luta pela guarda dos filhos. Os róis de problemas sociais são enormes. Isto para não falar do resultado nefasto que algumas seitas destrutivas tiveram no passado e que podem ser um alerta para o que se passa hoje, tal como o ‘People’s temple’ de Jim Jones, ‘Ramo Davidiano’ de David Koresh, a seita ‘Verdade Suprema’ com a acção criminosa da libertação do gaz sarin no metro de Tóquio ou mais recentemente a seita ‘Igreja Internacional da Boa Nova’, no Quénia, que levou à morte mais de 400 pessoas devido a um jejum extremo.

Quando se promover a educação da sociedade portuguesa em relação a seitas destrutivas e grupos de alto controlo, quando o Estado criar legislação que promove a protecção das vítimas e impeça que tais grupos operem livremente em Portugal, teremos dado um passo de gigante no bom sentido. Claro que isto deve ser sempre equilibrado com o respeito pela liberdade religiosa e o garante das liberdades individuais. Por vezes não é fácil fazê-lo e pode-se cair no extremismo de alguns países, tais como a Rússia, ao perseguir e prender cidadãos que pertencem a certas comunidades religiosas.

Mas ao mesmo tempo, o Estado não se pode demitir de actuar caso existam bases suficientes para isso, em especial quando existem crianças que podem estar em risco ou quando a própria lei é ignorada e a Constituição Portuguesa tratada como se de nada valesse.

Afinal, Portugal é um Estado de direito e quem nele vive tem que cumprir a lei.