A Bielorrússia apresenta-se como uma República Presidencialista que se diz norteada pelos mesmos valores das Democracias Ocidentais com assento na União Europeia. Com génese a 25 de dezembro de 1991 com o Pacto da Comunidade dos Estados Independentes, assim como a Ucrânia, a Bielorrússia não seguiu o percurso da última sendo essa, possivelmente, a razão pela qual ainda não foi agredida militarmente.

O facto de a Bielorrússia ser um fantoche russo remonta ao período de tomada de posse de Vladimir Putin quando Alexandr Lukashenko já se encontrava no poder bielorrusso. A sistemática viragem a leste por parte do ainda Presidente Lukashenko contribuiu para o aumento da dependência bielorrussa quanto à Rússia, principalmente no que toca a elementos naturais como o petróleo e outras matérias-primas a que o Ocidente não é igualmente inocente. Numa outra perspetiva encontra-se a Ucrânia que, desde a sua independência, resolveu, aos poucos, aproximar-se das potências ocidentais apoiando-se na remota esperança de um dia ser aceite no meio democrático.

Posto isto, ao longo das décadas e guiada pelo medo de invasão imperialista russa, os pedidos de adesão à NATO foram vários o que, como produto, levou Putin a considerar tais afrontações como provocações dignas de uma intervenção e consequente invasão.

A Bielorrússia, por sua vez, já não precisou deste mesmo tratamento por funcionar como um Estado Satélite de Moscovo como podemos observar nas Resoluções vetadas a favor da Rússia na Assembleia Geral das Nações Unidas, na posição quase-belicista na Guerra na Ucrânia e, ainda, no comportamento face à crise fronteiriça de refugiados com a Polónia em 2021 que, estando à vista de todos, fora arquitetado por Putin.

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Conquanto, apesar da Bielorrússia já estar, por um lado, “seguramente satelizado”, Putin não parece estar 100% satisfeito com os resultados e ambiciona a passagem para outro patamar: a absorção bielorrussa. Acontece que um documento oficial russo elaborado em 2021 detalhou as verdadeiras intenções imperialistas russas que, por surpresa -ou não- abrangem a fiel aliada Bielorrússia. A dissolução da União Soviética é vista como um erro que Putin deseja reverter historicamente remontando a tempos considerados erradicados e que, pelos vistos e mais uma vez, com pouca surpresa, não se ficam apenas pelo território ucraniano. Este manuscrito traça de forma minuciosa a anexação da Bielorrússia até 2030 sendo possível executar a operação com 3 abordagens: curto, médio ou longo prazo restaurando alguma percentagem do que era a tão aclamada “Rússia Histórica” ou “O Império Russo”, cujas expressões faziam tremer qualquer conhecedor do império.

O documento intitulado “Objetivos Estratégicos da Federação Russa na direção da Bielorrússia” expressa exatamente as intenções de Vladimir Putin através da simples análise do título dado ao projeto. Um objetivo estratégico é conhecido por representar os interesses vitais de um Estado. Os objetivos estratégicos/ interesses vitais demonstram na maioria dos casos os valores associados ao Estado em questão, as suas pretensões e abarca o valor ‘missão’. Que é exatamente o sentimento missionário que está aqui em questão. Missão de reverter o que considera o maior erro geopolítico do século XX e refutando, assim, o revisionismo histórico a que a Rússia é acusada.

Algumas passagens e excertos do documento: “alinhar a legislação bielorrussa com a legislação russa e subjugar a vida sociopolítica, comercial, científica e cultural da Bielorrússia“; “Além da harmonização das relações comerciais e económicas, a Rússia planeia estabelecer o controlo no setor político-militar da Bielorrússia até 2030” e, ainda, “O Kremlin deveria adaptar a legislação bielorrussa ao russo, gerir a política externa da república no interesse da Rússia, aumentar a presença militar em território bielorrusso, alcançar a supremacia da língua russa sobre a bielorrussa e dar aos bielorrussos a cidadania russa. Todos estes objetivos foram planeados para serem alcançados em nove anos, até 2030“.

Desta forma, a reversão da criação da Comunidade dos Estados Independentes é possivelmente o verdadeiro desígnio de Vladimir Putin por se direcionar a estas duas potências em específico e pela diminuição de soberania e poder que fora retirado à Rússia em 1991 já com a União Soviética dissolvida.

Acrescida à Comunidade de Estados Independentes junta-se o Estado de União celebrado entre a Rússia e a Bielorrússia em 1999 estabelecido através de uma base legal, jurídica para a integração dos dois países. O documento, por outro lado, revela um lado mais obscuro da situação: a ratificação do Tratado ainda em vigência e consequente anexação da Bielorrússia.

Assim sendo, é pouco provável a tese de que “Vladimir Putin deseja reavivar o Império Russo com as fronteiras da antiga União Soviética através de operações imperialistas”. Apesar de considerar a dissolução da União Soviética um enormíssimo erro geopolítico do século XX, Putin, com certeza, observa todas as incompatibilidades e impossibilidades de concretizar tamanha investida ao Mundo. Daí, considerar-se mais plausível, principalmente com este novo instrumento que nos caiu nas mãos, de que o desejo de extinguir a Comunidade dos Estados Independentes seja a estratégia e o caminho que Putin anseia alcançar.

Este reescrever da ordem internacional pós fim da Guerra Fria que acabou por tornar o Mundo multipolar e não bipolar pelo condomínio ideológico entre Estados Unidos da América e antiga União Soviética reflete o quão desconfortável Vladimir Putin se sente, igualmente, com uma conjuntura onde várias potências podem ter um papel crucial no Mundo e onde a atual Rússia fica bem atrás de outras superpotências em vários ramos. O facto de extinguir a Comunidade dos Estados Independentes e a absorção, tanto da Ucrânia como da Bielorrússia, acaba, hipoteticamente, com este problema hegemónico por, em primeiro lugar, aumentar exponencialmente as suas fronteiras, em segundo lugar, pela demonstração militar face à Sociedade Internacional e, em terceiro lugar, pelo medo que conseguiria instalar nas restantes potências. Este mesmo medo, na grande maioria das vezes na política, transforma-se em respeito. Algo que Putin considera já não existir para com a Federação Russa principalmente pelos líderes Ocidentais que o interpretam a si e ao Estado Russo como uma mera potência do século XXI. Não como uma potência, ou superpotência, de cariz histórico, massa crítica imensurável e com uma posição preponderante no palco internacional.

Existem múltiplos finais para a Guerra na Ucrânia. O apoio e ajudas são quase que incondicionais tanto entre partidos políticos, como entre Estados e Instituições e Organizações Internacionais. A questão fica. Se o propósito instituído no Documento se concretizar, seja a curto, médio ou longo prazo, será que o apoio internacional será igual?