Está em discussão pública quem mais ordena. Se a Assembleia da República ou o Governo. Se o Presidente deve apoiar as decisões da AR ou as do Governo.

Para já, Marcelo reserva para si, com a força dos seus mais de 60% de votos contra um Governo que nem 40% teve, o direito de em cada momento optar. Optou, desta vez, pela prevalência da Política sobre o Direito.

Mas aquilo que Marcelo não pode, é obrigar os partidos da oposição a abdicarem das suas propostas e viabilizarem propostas e orçamentos de outros, em contrário do mandato que lhes deram os seus eleitores.

Marcelo fez isto quando era Presidente do PSD, viabilizando a priori todos os orçamentos de Guterres. Mas convém lembrar, que foi por fazê-lo que o “Monstro” cresceu, cresceu acabando no pântano e na quase falência do país.

Portugal tem a originalidade única no mundo democrático de aceitar governos minoritários. Governos que não dispõem do apoio da maioria da população e que só artificialmente se mantêm pelo medo das crises políticas, como esta com que, mais uma vez, o Presidente nos acena.

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Mais de metade dos 45 anos de democracia constitucional foram passados com governos minoritários. E quase todos eles acabaram mal e a maioria deles em bancarrota. São, sem qualquer dúvida, a principal causa do nosso atraso. Portugal só criou condições de recuperação e crescimento com governos de maioria.

Espanta, como até agora ainda não se discutiu a questão dos governos minoritários, que, aliás, nada têm de democráticos, pois representam apenas uma minoria dos eleitores e são causa do nosso crescente atraso.

A democracia assenta no governo da maioria e não no governo da maior minoria.

Antes de mais, convém lembrar que governos minoritários só são possíveis porque os constituintes permitiram na Constituição que os governos podem tomar posse sem terem que ser aprovados no Parlamento nem o seu Programa de Governo ter que ser votado. Basta ser apresentado.

Entenderam os constituintes, e entre eles avultava Marcelo que penso terá sido pelo menos conivente com esta opção, fazer assim para permitir que quando a “direita” não tivesse maioria, o PS governasse sem ter que se coligar ou negociar com o PCP. Houve um pacto não escrito dos partidos que defendem o modelo ocidental de economia de mercado que excluía o PCP do “arco da governação”. Outro ponto deste pacto, e dele decorrente, era que quem fosse o mais votado, mesmo que apenas tivesse a minoria na AR, era quem governava.

António Costa há muitos anos que percebeu que isto tornava a vida difícil ao PS quando este tinha que se confrontar com alianças de todo o espaço à direita do seu partido e entendeu recuperar o PCP para o arco da governação. Tendo, mesmo quando ainda era presidente da Câmara de Lisboa, em 2009, feito declarações nesse sentido. Que repetiu em 2014, quando era candidato à liderança do PS, e em Janeiro de 2015, quando já era líder do PS e fez questão de ir à sede do PCP dizer o mesmo, o que suscitou, no mesmo dia,  esta concordante e premonitória  análise do Pedro Pedroso no seu blogue.

Assim, Costa, sem avisar e sem avisar o eleitorado na campanha para as legislativas, rompeu unilateralmente aquele acordo de 40 anos e derrubou na AR quem foi o mais votado. Fez o acordo escrito a que Cavaco o obrigou com o PCP e o BE, que certificava haver uma maioria na AR que apoiava o Governo do PS. Acordo que permitiu a Costa cumprir a legislatura. Bem pode agradecer a Cavaco Silva.

Nesta segunda legislatura, o Presidente Marcelo não exigiu qualquer acordo e, assim, temos um governo do PS sem suporte maioritário na AR, mas que, tendo feito campanha em nome da “geringonça da esquerda”, é com o BE e o PCP que se tem que entender para garantir a passagem dos seus orçamentos. O que o coloca nas mãos do PCP e do BE, partidos que são contra o modelo sócio-económico ocidental e contra a União Europeia e que, não tendo qualquer compromisso prévio e sabendo que António Costa não tem alternativa, aproveitam para subir a parada negocial no Orçamento em todas as questões.

Assim, Costa, em nome do seu interesse pessoal e do PS, colocou um Portugal maioritariamente moderado e centrista (e que o Governo devia refletir) nas mãos do irresponsável extremismo sócio-económico da extrema-esquerda, com real influência nas decisões governativas.

E tendo chegado ao Governo em nome do primado da AR e na igualdade de todos os partidos, não se pode queixar agora das decisões que esta toma, ainda que conduzam à ingovernabilidade e à bancarrota.

E Marcelo, que ao ter dado posse a um governo minoritário sem lhe exigir a garantida mínima de um compromisso de apoio maioritário na AR, como o que Cavaco  pediu, tornando-se no principal responsável pela permanente instabilidade política, não pode agora querer condicionar os partidos da oposição.

Devemos, sim, centrar a discussão naquilo que é a essência do problema e que evitava o atual dilema sem saída. A questão dos governos minoritários.

Que tem uma fácil solução:

  • Entender-se que quando os portugueses não dão maioria absoluta a nenhum dos partidos estão a dizer que querem uma coligação. Isto é o que está certo, pois permite que o Governo represente sempre a vontade da maioria, o que é a essência da democracia, e não apenas a da maior minoria. Lembra-se que é o que se faz em todas as democracias ocidentais;
  • Assumir-se o compromisso (constitucional assim que possível) de que para se ser Governo é preciso ter o Programa de Governo votado e aprovado por 50+1 na AR. Fixando quem apoia e suporta o Governo e quem, de mãos livres, é oposição e se constitui como alternativa.

Em 1999 enviei a Durão Barroso, então presidente do PSD, que o fez publicar no Povo Livre, um texto com o título “A Questão Democrática”, que terminava assim:

Ora as eleições não são um jogo para premiar um vencedor (o mais votado); são um instrumento democrático essencial para encontrar o Governo que tenha o apoio da maioria (>50%) dos deputados proporcionalmente eleitos. Só assim será legítimo e disporá da indispensável força e estabilidade.

É saudável que os partidos reclamem dos eleitores uma maioria absoluta de votos. Mas se estes não lha derem têm de que retirar que a opinião soberana dos eleitores foi a de que a não deviam ter e que por estes foram assim condenados a fazer uma coligação de partidos para governarem. Não podem é continuar a considerar como legítimo que apenas os votos de uma minoria dos eleitores sirvam para sustentar um Governo.

Mandará a prudência e bom senso que o Presidente da República, ouvidos os partidos e tendo em conta os resultados eleitorais e consequente distribuição de deputados na Assembleia da República, designe para Primeiro-Ministro quem lhe garanta ter apoio maioritário na Assembleia, sem prejuízo de a primeira pessoa a quem caiba tentar formar Governo e conseguir o apoio maioritário da Assembleia seja o designado pelo partido mais votado. Obviamente, se este não o conseguir, deve de imediato informar o Presidente da República e endossar as responsabilidades ao segundo partido. Nas democracias é assim. Uma maioria (sem entraves) no Governo e uma minoria (de mãos livres) na oposição.

Assim sendo, defendo que o meu partido, o PSD, faça desta questão um dos temas centrais e corajosamente se apresente aos eleitores para liderar o Governo, se a área não socialista tiver maioria na Assembleia, ou caso contrário, para, em nome dos seus eleitores ser oposição, votando, como legitimamente lhe compete e os eleitores decidiram, contra os programas de Governo de outros.

P.S. : Lembro que, quando em 2013 o SPD alemão se viu numa situação semelhante à de António Costa em 2015, o seu líder optou por renovar a grande coligação, ficando em segundo num governo liderado por Merkel, que tinha sido quem tinha tido mais votos, suportado ao centro pela esmagadora maioria dos eleitores, em vez de liderar um governo assente numa maioria de esquerda que matematicamente era possível. Alemanha, que nunca teve governos minoritários (a esmagadora maioria foram de coligações) avança. Portugal recua…

Quando discutimos a questão dos governos minoritários?