A COVID-19 trouxe à tona uma realidade há muito conhecida, mas uma reforma profunda há muito adiada: a situação dos lares de idosos em Portugal.

A questão da qualidade da prestação de cuidados, em estruturas para pessoas idosas, reveste-se de especial relevância num contexto de forte envelhecimento demográfico como é o caso português. Desde a década de 90, que em Portugal tem existido um investimento público nas respostas de apoio à população idosa, através de vários programas públicos (PARES, Programa de Apoio a Idosos, Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados), com o objetivo de alargar a rede de equipamentos sociais, o número de lugares disponíveis e a população abrangida. Esse objetivo foi conseguido e houve avanços significativos. No entanto, têm sido parcas as medidas relativas à monitorização e avaliação dos cuidados, constituindo uma questão estratégica para a agenda europeia. Recentemente, o European Network of National Human Rights Institutions recomendou aos Estados-membros a avaliação e a monitorização contínua da situação dos direitos humanos das pessoas idosas nos cuidados de longa duração, prevenindo e combatendo os maus-tratos, protegendo os seus direitos sociais e a dignidade no envelhecimento.

Durante a fase pandémica, a Covid-19 provocou efeitos devastadores nas práticas de cuidados em Portugal, quer nas estruturas residenciais para pessoas idosas, quer nos serviços de apoio domiciliário, estruturas elas próprias já com fragilidades, às quais a Covid-19 veio dar visibilidade social. Vários problemas emergiram no sector dos cuidados: a falta de trabalhadores, as difíceis condições de trabalho, os rácios desajustados, a falta de formação, a sobrecarga laboral, o burnout físico e mental, a excessiva rotatividade do pessoal e o abandono precoce do sector de cuidados. Todos estes fatores, evidenciados em trabalhos anteriores (Gil, 2018, 2019), têm impactos nos cuidados e no problema da violência contra as pessoas idosas, sobretudo na negligência.

Não menos importante, é a falta de valorização destes trabalhadores, maioritariamente mulheres, pouco escolarizadas, com trajetórias profissionais conturbadas e de desemprego de longa duração, figuras invisíveis que estão na linha da frente ao longo deste país e que prestam cuidados, bem ou mal, muitas vezes em condições adversas e muito pouco reconhecidas socialmente. Um sistema que não está centrado nas pessoas tem consequências nos cuidados, afetando não só a qualidade dos mesmos, mas também a sua saúde física e mental, a satisfação laboral e as perspetivas de carreira.

Recentemente, a atual Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social referiu que se procedeu a perto de 700 contactos telefónicos e apenas se obtiveram 30 voluntários para trabalharem nos lares de pessoas idosas. A razão é simples: o não reconhecimento do trabalho de cuidados desmobiliza qualquer pessoa a aceitar uma profissão mal paga, que implica sobrecarga laboral, sem formação e sem perspetivas de carreira. Pensar numa estratégia nacional que invista na profissionalização dos trabalhadores de cuidados constitui uma das áreas estratégicas de intervenção pública. Sem investimento público e privado em recursos humanos é impossível termos bons cuidados e isto remete para uma inevitável questão: é este o modelo de cuidados que queremos um dia quando formos velhos? Perentoriamente, não! Portugal tem a menor concentração de trabalhadores de cuidados na OCDE (0,8), ou seja, menos de um trabalhador por cada 100 pessoas com mais de 65 anos (Noruega, 12,7 e a Suécia, 12,4, por 100), valores de referência muito abaixo do que se considera uma prestação adequada de cuidados (variando entre 4,1 e 4,5) (Scheil-Adlung, 2016; OCDE, 2020). Portugal é um dos países com menor despesa pública no sector dos cuidados (variando entre 3,7% do PIB nos Países Baixos e 0,5% em Portugal (OCDE, 2019:239).

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Um maior investimento no sector e a necessidade de melhorar o sistema de monitorização da qualidade dos cuidados, centrado na pessoa, no seu bem-estar e dignidade, e em indicadores clínicos, psicológicos e sociais, são medidas prementes. Diferenciar boas práticas institucionais e os respetivos financiamentos constituem, a par de um maior investimento na formação e na profissionalização dos trabalhadores de cuidados, questões centrais para as políticas públicas e para a agenda da investigação.

Organisation for Economic Co-operation and Development. 2020. Who Cares? Attracting and Retaining Care Workers for the Elderly. OECD Health Policy Studies. OECD Publishing, Paris. Organisation for Economic Co-operation and Development (2019), Health at a glance 2019: OECD indicators, Paris; Scheil-Adlung X. (2016) Health Workforce: A Global Supply Chain Approach. New Data on the Employment Effects of Health Economies in 185 Countries, Extension of Social Security Working Paper No. 55 (Geneva, ILO); Gil, A.P. (2018), “Care and mistreatment – two sides of the same coin? An exploratory study of three Portuguese care homes”, International Journal of Care and Caring, Vol. 2 No. 4: 551-73; Gil, A.P. (2019) “Quality procedures and complaints: nursing homes in Portugal“, The Journal of Adult Protection, Vol. 21 No. 2: 126-143. https://doi.org/10.1108/JAP-09-2018-0018.