O momento político sobre o caso de acolhimento de refugiados fará memórias futuras dos políticos envolvidos que em nada estão relacionados com a imagem presente e histórica da minha cidade: Setúbal.

O que está em causa neste caso são políticos e as suas decisões.

A primeira palavra que emerge quando penso na atuação dos políticos envolvidos no caso do acolhimento de refugiados ucranianos em Setúbal é: responsabilidade.

Ela deve ser atribuída, primeiro ao Presidente da Câmara Municipal de Setúbal, e em segundo ao Primeiro-Ministro.

1 A principal causa e responsabilidade da solução deste problema esteve nas mãos do Presidente da Câmara Municipal de Setúbal.

No dia 8 de abril, a embaixadora da Ucrânia em Portugal tinha afirmado na comunicação social que alertou a secretária de Estado da Igualdade e Migrações, numa conversa telefónica, para o facto de existirem associações, com ligações ao atual governo russo, a realizarem o acolhimento de refugiados ucranianos. Nessa ocasião referiu claramente o nome e o caso de Setúbal.

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Estas declarações levaram o presidente da Câmara Municipal de Setúbal a remeter, no dia 11 de abril, uma carta ao primeiro-ministro onde solicita ao governo que se manifestasse sobre as declarações da embaixadora da Ucrânia no 8 de abril.

Mas, para o presidente da Câmara Municipal de Setúbal, não deveriam existir dúvidas sobre as declarações da Embaixada da Ucrânia. Porque as ligações dos dirigentes da Associação Edinstvo a instituições públicas da Rússia estão documentadas e são públicas através dos eventos organizados pela Embaixada da Rússia.

De resto, antes de 2022, a Câmara Municipal de Setúbal esteve representada em eventos promovidos pelos dirigentes desta associação com o objetivo de aprofundar as relações entre Setúbal e a Rússia

No dia 20 de abril na Reunião de Câmara de Setúbal o vereador do PSD Paulo Calado perguntou ao presidente da Câmara sobre o facto do acolhimento de refugiados ucranianos estar a ser realizado por uma associação russa com ligações próximas ao governo russo. Não existiu uma resposta clara por parte do executivo comunista.

É neste momento que o Presidente da Câmara Municipal de Setúbal deveria ter percebido que a sua atuação representou um problema para a missão de acolhimento de refugiados a que a município se propôs.

Mas o presidente André Martins não atuou face ao problema que o próprio causou. A ausência de atuação é evidente quando se percebe que o tratamento de dados dos 160 refugiados ucranianos ocorreu sem existir um encarregado de proteção de dados conforme obriga a lei obriga desde 2018.

Recordando o caso de Lisboa e Fernando Medina, o então residente da Câmara de Lisboa “empurrou” as culpas para o encarregado de proteção de dados. No caso de Setúbal o presidente André Martins nem tinha o nomeado, deixando correr o processo de recolha de dados de forma ilegal.

Essa nomeação só vem a ocorrer a 3 de maio, quase 1 mês depois dos alertas da Embaixadora da Ucrânia e após o caso ter “rebentado” mediaticamente.

Portanto, André Martins sabia que os refugiados acolhidos pela Linha Municipal de Apoio aos Refugiados — LIMAR, da responsabilidade da Câmara de Setúbal, estavam a ser recebidos pela Associação Edinstvo cujos dirigentes são próximos do governo russo.

E também era do conhecimento do presidente da Câmara de Setúbal que este processo de recolha de dados estava a ser realizado de forma ilegal como comprova a nomeação posterior do encarregado de proteção de dados.

O presidente eleito pelas listas da CDU provocou o problema e não promoveu qualquer solução. Resta saber porque se negou a atuar. Mas a responsabilidade não é apenas dele.

2 Tudo aquilo que o governo não esclarece expõe a sua responsabilidade neste caso.

Para o governo este problema tem uma antiguidade maior que começa com as queixas de falta de representatividade da comunidade ucraniana.

De acordo com a Embaixada da Ucrânia e a Associação dos Ucranianos em Portugal (AUP), representante de parte da comunidade ucraniana, ambas a entidades, indicaram que tinham manifestado uma queixa ao governo português por estarem a ser representados por russos no colégio eleitoral que escolhe o representante da comunidade no Conselho para as Migrações do Alto-Comissariado para as Migrações (ACM). Sendo que esta informação da Embaixada da Ucrânia ao governo reporta-se ao ano de 2014 e era do conhecimento da secretária de Estado da Igualdade e Migrações que recentemente se demitiu por motivos pessoais.

A mesma governante recebeu um telefonema da embaixadora da Ucrânia no dia 8 de abril, relatando o caso de Setúbal.

O governo ignorou duas comunicações essenciais na matéria referente a migrações. É a evidência de um governo fraco onde só os temas que têm impacto na comunicação social têm hipótese de merecer resposta.

Contudo, neste caso, apesar de existirem algumas respostas do governo, ainda são muitas as dúvidas. O primeiro-ministro anunciou que o pedido de inquérito feito pela Câmara de Setúbal sobre o acolhimento de refugiados ucranianos vai ser remetido para a Comissão Nacional de Protecção de Dados e para o Ministério da Coesão Territorial. Mas não se sabe se existirá algum inquérito sobre os protocolos entre o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e a Associação Edinstvo. E particularmente que responsabilidades foram apuradas pela falta de ação junto do ministério liderado por Ana Catarina Mendes a quem a secretária de Estado da Igualdade e Migrações responde.

3 O PS e PCP são ex-parceiros de coligação que se tornam agora parceiros de conluio para esconder a verdade sobre este caso.

Podemos aceitar falhas num processo de acolhimento de refugiados que coloca uma nova realidade nova sobre diversas instituições públicas. Mas neste caso nem o governo, nem o executivo camarário da CDU quiseram tentar corrigir as suas falhas. Porque o receio de as assumir é superior ao sentido de responsabilidade de as corrigir.

Esta é a razão que leva o PS a chumbar audições no parlamento, porque sabem que o presidente da Câmara Municipal de Setúbal tem culpa, mas pode, fundadamente, culpar também o governo.

Há culpa no atual governo, mas existe também no governo anterior que o PCP apoiou. Por isso, o receio de toda a verdade sobre este caso é extensível ao PS que pode nunca ter abordado as queixas da embaixadora da Ucrânia em Portugal sobre a ausência de representação no ACM por pressão do seu parceiro de coligação: o PCP.

É importante relembrar que no passado dia 6 de maio o PCP, através de João Ferreira, considerou que a Associação dos Ucranianos em Portugal não tem idoneidade.

Certo é que o PS e PCP preferem falhar no apuramento da verdade que tentar corrigir as suas ações. É um claro sinal do medo demonstrado por estes dois partidos neste caso.